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MEDICINA
Mudança em uma única "letra química" do DNA humano pode aumentar em até cinco vezes risco de ter a doença
Estudo expõe elo genético da hanseníase
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Pesquisadores brasileiros conseguiram associar, pela primeira
vez, alterações no DNA humano a
um risco maior de desenvolver
hanseníase, a moléstia que no
passado era chamada de "lepra"
(termo hoje considerado discriminatório). A doença deixou de
ser problema há muito tempo nos
países ricos, mas ainda afeta 700
mil pessoas por ano no mundo.
Ao lado de colegas no Canadá,
na França e na Holanda, eles mostraram que não é preciso muito
para que haja um risco mais de
cinco vezes maior de contrair a
doença -aliás, quase nada. Basta
a troca de uma única "letra" química das 3 bilhões que compõem
o material genético humano. De
quebra, a alteração afeta um gene
que também está ligado ao mal de
Parkinson, uma doença degenerativa incurável do cérebro.
"Isso mostra quão pouco ainda
se sabe sobre uma doença antiqüíssima como essa", disse à Folha o bioquímico Marcelo Távora
Mira, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná. Mira
é o primeiro autor do estudo que
sai hoje na versão eletrônica da revista britânica "Nature" (www.na
ture.com). Participam também
membros da Fiocruz (Fundação
Oswaldo Cruz) e do Inca (Instituto Nacional do Câncer), no Rio.
Mira começou o trabalho durante seu doutorado na Universidade McGill, no Canadá, analisando o DNA de doentes do Vietnã que tinham um histórico de
hanseníase de família.
A primeira etapa foi tentar encontrar áreas de cromossomos
(as estruturas enoveladas que
guardam o material genético) que
fossem passadas, de pais para filhos, numa proporção maior do
que os 50% esperados aleatoriamente. Isso significaria uma possibilidade de que um dado trecho
do cromossomo seja mais comum que o normal nas 197 famílias analisadas e, portanto, poderia estar relacionado à doença.
Cromossomo 6
Procura que procura, a equipe
conseguiu reduzir seu alvo inicial
a um trecho do cromossomo 6.
"O problema da técnica é que ela
dirige você para uma região com
30, 40 ou 50 genes, que precisa ser
vasculhada", explica Mira.
Usando outras técnicas, a equipe voltou a garimpar o DNA dos
pacientes vietnamitas e acabou se
concentrando numa região de 80
mil pares de bases, ou "letras"
químicas, que corresponde a um
promotor, ou interruptor genético, de dois genes, o PARK2 e o
PACRG. Os promotores controlam quando e como um determinado gene se torna ativo e tem a
informação contida nele transformada em proteínas pelas células.
A equipe descobriu que, dentro
dessa região genômica, havia
uma verdadeira população de alterações de uma só base trocada
que estavam associadas à incidência de hanseníase. Essas variações, conhecidas como SNPs
(pronuncia-se "snips"; a sigla
corresponde a "polimorfismos de
nucleotídeo único" em inglês),
podem ser o suficiente para alterar a proteína cuja receita está armazenada num gene e, por isso,
levar a mudanças sutis, mas potencialmente importantes, na
bioquímica do organismo.
Dependendo da presença desses SNPs em um ou ambos os
cromossomos de cada pessoa, o
risco de ter a doença pode ser de
5,28 vezes a 3,23 vezes maior. No
total, 17 SNPs foram mapeadas na
população vietnamita.
A equipe decidiu confirmar a
associação entre as variantes genéticas e a doença analisando 975
pessoas enfermas e saudáveis da
região metropolitana do Rio de
Janeiro. "Houve concordância
perfeita com 13 dos SNPs da população vietnamita, o que fortalece as nossas conclusões", afirma o
biólogo Milton Moraes, do Laboratório de Hanseníase da Fiocruz,
que também assina o trabalho.
Diagnóstico e Parkinson
Para Marcelo Mira, o conhecimento sobre o papel dos genes no
desenvolvimento da doença não
deve levar a novos medicamentos, já que os existentes funcionam muito bem quando a moléstia é diagnosticada a tempo. "O
que pode ser feito, por exemplo,
em áreas endêmicas, é procurar
pessoas susceptíveis e evitar que
elas acabem contraindo a doença." O Brasil, aliás, tem o segundo
maior número de casos da doença
do mundo (cerca de 40 mil ao
ano), só perdendo para a Índia.
Por outro lado, a relação do gene PARK2 com a hanseníase e o
mal de Parkinson ao mesmo tempo é intrigante e precisa ser mais
estudada, de acordo com o bioquímico. Afinal, ambos os males
atacam células do sistema nervoso, nas quais o gene está mais ativo, embora a hanseníase seja causada por uma bactéria, a Mycobacterium leprae.
O estudo de Mira teve apoio da
Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão do governo federal.
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