São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

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Mamíferos têm memória para calorias, diz cientista

Gosto de alimento ultracalórico não é o único estímulo biológico à obesidade

Experimento de brasileiro mostra como camundongos identificam carboidratos, gorduras e açúcares sem recorrer a um paladar inato

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A NATAL

Da próxima vez que subir na balança e constatar a presença de uns quilos a mais, lembre-se: talvez o paladar aguçado que os mamíferos têm para gorduras, carboidratos e açúcares não seja o único culpado pelo ganho de peso. Pesquisas novas têm revelado novos vilões, entre eles uma espécie de memória inconsciente que associa alimentos a seu teor calórico.
Estudos apresentados anteontem em um ciclo de palestras no recém-inaugurado IINN (Instituto Internacional de Neurociências de Natal) mostram que a obesidade não é mesmo só uma questão de gosto. "Claro que o paladar é importante, não se trata de dizer o contrário. Mas temos que separar as coisas. Ele não explica necessariamente tudo", disse à Folha o pesquisador Ivan de Araújo, da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA).
Filósofo de formação, ele está há dois anos e meio nos Estados Unidos estudando os mecanismos biológicos que fazem as pessoas -e camundongos de laboratório- engordarem.
Amigo de Sidarta Ribeiro (diretor do IINN) desde os tempos de colégio em Brasília, Araújo tem planos de colaborar com as pesquisas do instituto. Na apresentação feita durante um congresso encerrado ontem, que marcou a inauguração do centro de pesquisa, o cientista brasileiro mostrou por que ele passou a desconfiar do paladar como mecanismo único.
Experimentos feitos com camundongos deixaram claro que o cérebro dos mamíferos possui uma espécie de memória calórica. Ou seja, independentemente do paladar, alguns processos desencadeados no cérebro forçam o corpo humano a ingerir mais caloria.
"Temos alguns circuitos sensíveis ao consumo de alimentos calóricos sim, que funcionam separados do gosto pela comida. Na verdade, eles são complementares", disse.
No estudo controlado com os animais, foram oferecidas aos bichos soluções com altas concentrações de açúcares, água e um líquido com um adoçante comercial. Simplificadamente, a preferência pelas garrafas onde havia mais calorias disponíveis chamou a atenção dos pesquisadores.

Mecanismo desvantajoso
Do ponto de vista anatômico, os mecanismos identificados agora por Araújo ocorrem em várias partes do cérebro, mas principalmente em uma região abaixo do córtex (a superfície do cérebro, onde se concentram suas funções mais sofisticadas). Outras pesquisas já haviam mostrado que nessa área pode estar uma espécie de centro da obesidade do cérebro.
Com o paladar de lado, a memória calórica do cérebro pode ser explicada também do ponto de vista evolutivo, segundo o pesquisador da Duke.
"Essas coisas são sempre meio especulativas, mas é lógico pensar que esse mecanismo que faz o homem se entupir de calorias pode ter sido muito útil no passado", disse Araújo.
O problema é que, apesar de o homem dos tempos pré-históricos ter tido sempre a necessidade de armazenar a maior quantidade possível de energia (porque ela não estava sempre disponível), a mesma estratégia não compensa mais hoje.
"Esse processo natural, com a vida sedentária atual, é totalmente desvantajoso e acaba gerando uma verdadeira epidemia de obesidade", explica o pesquisador.

Efeito sanfona
Essas descobertas de circuitos cerebrais que levam ao consumo calórico, segundo Araújo, poderão ser úteis para explicar, por exemplo, por que algumas pessoas perdem peso e depois de alguns meses recuperam boa parte dos quilos a mais que haviam sido queimados, mesmo com um controle maior sobre o paladar.
O famoso e indesejável efeito sanfona pode ter causas bem mais complexas do que uma simples relação inata de paladar com gorduras, açúcares e alimentos mais calóricos.


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