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Assentamento ameaça pesquisa no AM
Experimento sobre desmatamento da Amazônia pode perder 30 anos de trabalho para estabelecimento de colonos
Projeto avalia impacto da fragmentação da floresta sobre a biodiversidade; aumento da população de Manaus pressiona região
GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um dos mais antigos projetos científicos na Amazônia
corre o risco de acabar por conta da colonização desordenada
da floresta. O alerta está sendo
lançado por pesquisadores do
Inpa (Instituto Nacional de
Pesquisas Amazônicas) e da
Instituição Smithsonian, dos
Estados Unidos, na edição de
hoje da revista "Nature".
Os cientistas alegam que o
plano de assentar colonos nos
arredores de Manaus ameaça o
PDBFF (Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais). Segundo eles, em locais já
ocupados, caçadores invadiram
as áreas estudadas e parte das
matas usadas em estudos foram queimadas.
O projeto foi criado no final
dos anos 1970 para avaliar o impacto da fragmentação da floresta na biodiversidade. A idéia
partiu do cientista Thomas Lovejoy, hoje presidente do Centro Heinz para Ciência, Economia e Ambiente, dos EUA. No
auge do desmatamento, ele
conseguiu convencer proprietários de terra que iam derrubar a floresta a deixar um espaço predeterminado intacto.
Os cientistas comparam a situação desses fragmentos com
o de outros localizados dentro
da floresta e vêm mostrando ao
longo de décadas como a fragmentação afeta fauna e flora
nos trechos remanescentes.
O problema é que a área de
estudo, de cerca de 1.000 km2,
fica a apenas duas horas do
norte de Manaus, no chamado
distrito agropecuário da Suframa (Superintendência da Zona
Franca de Manaus), e agora está sofrendo pressão do crescimento populacional na capital
do Estado. Novas áreas de assentamento foram demarcadas
nas proximidades dos sítios do
PDBFF (veja mapa acima), e os
pesquisadores temem que este
seja o começo do fim.
Quando este espaço foi criado, há cerca de 30 anos, ele de
fato tinha como objetivo assentar pequenos agricultores, mas
logo a área se mostrou improdutiva, conta a pesquisadora do
Inpa Regina Luizão, uma das
autoras do artigo. "O distrito
foi em grande parte abandonado e essa região virou um paraíso para a pesquisa. Mas nos últimos anos, de repente, começamos a ver chegar gente de todo lado", afirma.
Segundo ela, de milhões de
dólares investidos por Brasil e
EUA no programa pesquisa estão em risco. "Já ficou bem claro que esta área não é propícia
para o plantio. Por que, então,
voltar a ocupar a região?",
questiona Regina.
Ladrões e caçadores
O PDBFF funciona hoje com
o estudo de 23 fragmentos. Os
trechos dentro das fazendas até
estão protegidos, mas aqueles
na floresta aberta que são a base de comparação para o estudo
estão mais vulneráveis, explica
a ecóloga. Isso porque algumas
áreas ficam localizadas na beira
de estradas vicinais da BR-174
(Manaus-Boa Vista), como a
ZF3. Construída justamente
para o transporte dos cientistas, ela agora facilita o acesso
dos colonos. "Nosso principal
acampamento já foi assaltado
duas vezes. Onças e pumas que
vivem nessas áreas estão sendo
caçados", reclama.
"É desencorajador ver que o
futuro da ciência não parece estar pesando muito na decisão
de retomar os acampamentos",
disse Lovejoy à Folha. "O valor
de estudos ecológicos assim se
compõe com o tempo e o conhecimento acumulado."
Os pesquisadores alertam
que há risco para outros estudos científicos localizados nesta mesma região, como o LBA
(Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na
Amazônia). Segundo Flávio
Luizão, um dos coordenadores
do projeto e marido de Regina,
a ocupação já começou a afetar
alguns trabalhos.
Uma das pesquisas, por
exemplo, mede a emissão e
captura de gases na floresta, sobretudo o gás carbônico, o que
tem servido para avaliar o papel da mata no combate ao efeito estufa. Recentemente, os
pesquisadores notaram que
um assentamento localizado
perto da torre de medição estava afetando os números, já que
as queimadas da floresta elevaram a emissão de CO2.
Os cientistas pedem que seja
estabelecida pelo menos uma
área tampão de alguns quilômetros para impedir que os assentamentos fiquem na borda
dos sítios científicos.
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