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Democracia ambiental
Obra afirma que a maior parte das idéias apocalípticas sobre o estado do mundo são mitos e que ONGs e imprensa erram na interpretação de dados
Desde os anos 70, quando os partidos
verdes começaram a despontar na
Europa e o Greenpeace surgiu para protestar contra testes nucleares, o movimento ambientalista nunca foi seriamente questionado em sua sacrossanta
missão de salvar a Terra. Nem havia por
quê: os dados da tragédia - florestas desaparecendo, espécies se extinguindo a
rodo e os mares subindo devido ao efeito
estufa- pipocam nos noticiários para
dizer que a humanidade está destruindo
o planeta. Ninguém em sã consciência
(salvo um ou outro presidente dos EUA)
poderia ser contra os cuidados com a
combalida saúde global.
Nada mais normal, portanto, do que
reagir com incredulidade a qualquer um
que venha dizer que o planeta nunca esteve tão bem, obrigado, e que um futuro
radiante aguarda a humanidade, mesmo
depois de todos os seus pecados contra a
Mãe Natureza. Mas é justamente disso
que o dinamarquês Bjorn Lomborg tenta
(e, até certo ponto, consegue) convencer
o leitor em "The Skeptical Environmentalist". As coisas estão melhorando. E o
fim do mundo não está próximo.
O livro de Lomborg cumpre a saudável
tarefa de destoar de dessacralizar as
ONGs ecológicas. Ao caracterizá-las
-não sem um certo exagero- como
mais um grupo de lobby brigando por
verbas, o autor quebra um tabu e abre
um debate que, para a maior parte das
pessoas, ainda soa algo herético.
Para respaldar seus argumentos, Lomborg, um estatístico que foi sócio do
Greenpeace durante a adolescência, recorre a uma extensa compilação de números. Quem se aventurar pelas 505 páginas e 2.928 notas de rodapé da obra vai
se deparar com dados das Nações Unidas, do Banco Mundial e de uma série de
publicações científicas, que mesmo um
leitor atento terá dificuldade em contestar. O trabalho, aliás, sai
pela Cambridge University Press, a mesma editora que publica os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Mudança Climática).
A mensagem central do
livro é que a humanidade
tem um montante limitado de recursos para resolver uma quantidade quase ilimitada de problemas. Portanto, decisões políticas têm de ser baseadas em fatos, não em mitos. E as
idéias normalmente difundidas sobre o
ambiente são, geralmente, exageradas
-um conjunto de crenças que Lomborg
chama de "ladainha" dos catastrofistas.
Mitos gerados nas mentes supostamente
doentias de gente como Lester Brown, o
simpático fundador do Worldwatch Institute, e Paul Ehrlich, professor da Universidade Stanford, e difundidos por
ONGs ávidas por recursos e uma imprensa sedenta de más notícias.
Visão parcial Lomborg acusa o
Worldwatch, uma das mais respeitadas
organizações ambientais do planeta, de
negligenciar tendências de longo prazo
nas estatísticas ambientais e de ignorar
informações importantes no seu diagnóstico anual sobre a saúde do planeta, o
"Estado do Mundo". A edição de 1995,
por exemplo, afirma que o consumo de
fertilizantes estaria sendo reduzido a
partir de 1990-indício de um breve colapso na agricultura mundial. Mas a razão dessa redução, contesta Lomborg,
foi o colapso da União Soviética. A produção agrícola não chegou ao limite.
Longe disso. Apresentando dados da
FAO (Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação), o livro
argumenta que a humanidade nunca esteve tão bem nutrida e que a agricultura,
graças à Revolução Verde, ainda tem
muito pano para a manga. Especialmente porque o número de bocas para alimentar, ao contrário do que previu Paul
Ehrlich em seu livro "A Bomba Populacional", de 1968, não vai crescer exponencialmente. "A taxa de crescimento da
população mundial há muito passou do
pico", escreve Lomborg.
O dinamarquês se deu ao trabalho de
pesquisar a origem de
muitos dos mitos ambientais. O resultado, às
vezes, é de dar vergonha a
qualquer jornalista. Uma
estatística replicada a torto e a direito pelos ecoxiitas e atribuída a um relatório do Banco Mundial,
por exemplo, afirma que
30 países, com 40% da população do planeta, enfrentam escassez de água para a
agricultura e a indústria. Verificando
junto ao próprio banco, Lomborg descobriu que a origem dos números é um
"press release" mal escrito, cujo estudo
de referência falava não em falta d'água,
mas de acesso a água encanada e esgoto
-em 80 países, não em 30. Aliás, por falar em água, o célebre relatório do Banco
Mundial que gerou a expressão "guerra
da água" não cita a palavra "guerra".
Nem mesmo o Pnuma, o Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente, escapou do escrutínio. Em seu relatório de 2000, o Pnuma afirma que 15 milhões de crianças menores de cinco anos
morrem anualmente por causa de água
poluída. Mas o número total de mortes
de crianças menores de cinco anos, segundo a Organização Mundial da Saúde
-também da ONU-, é 10 milhões. A
"ladainha" não resiste à verificação.
"Quando apresentamos um argumento,
nunca há tempo suficiente para incluir
todos os dados. Em certa medida, todo
argumento se fia em metáforas e atalhos
retóricos. No entanto, devemos ser sempre cautelosos para não deixar a retórica
encobrir a realidade", diz.
Casa de ferreiro, espeto de pau O problema de Lomborg é que ele mesmo acaba cedendo aos "atalhos retóricos" e
visões parciais dos números que tanto
critica nos profetas do apocalipse. No capítulo dedicado a demonstrar quanto é
boa a situação das florestas, por exemplo, critica o WWF (Fundo Mundial para
a Natureza) sobre números da devastação na Amazônia. "Talvez uma informação mais importante seja que a perda total de floresta na Amazônia desde a chegada do homem foi de apenas 14%."
Dito assim, a seco, o número parece
mesmo justificar o advérbio -especialmente para o leitor europeu, pouco familiarizado com grandes dimensões.
Mas 14% da Amazônia correspondem a
cerca de 700 mil km2, o equivalente a
70% da área de selva da Indonésia, o país
com maior cobertura de floresta tropical
depois do Brasil. Ou 16 Dinamarcas. Em
entrevista à Folha (leia na pág. 20), Lomborg admite que esse foi um uso "parcial" da informação estatística.
Em sua carta ao "The New York Times", Christopher Flavin, do Worldwatch, observa ainda que Lomborg se
contradiz com os dados disponíveis ao
dizer que, desde 1950, as florestas não estão desaparecendo. "Para fazer essa afirmação, ele usa uma série de dados que as
Nações Unidas interromperam em 1994,
devido a imprecisões."
Mais adiante, no capítulo sobre a água,
o dinamarquês cita um estudo de 2000
feito pelo russo Igor Shiklomanov, a pedido da Unesco, para dizer que a humanidade só utiliza 17% do total de água doce disponível no planeta. Por alguma razão, não menciona que a principal conclusão do relatório é que 45% da humanidade enfrentará escassez de água em
2025, por razões físicas ou econômicas.
Entre uma boa análise e outra de crenças ambientais sem fundamento -como o da perda anunciada de 50% das espécies até o ano 2025, quando a taxa real
de extinção é de 0,7% ao ano-, o livro
entrega-se a exercícios de pura futurologia. Ao dizer, por exemplo, que a poluição do ar em Londres foi combatida não
devido a preocupações ambientais, mas
sim ao crescimento econômico, Lomborg arrisca-se a dizer que "não há razões decisivas para pensar que o mesmo
desenvolvimento não vá ocorrer no Terceiro Mundo" que, segundo ele, estará
tão rico em 80 anos quanto os países da
Europa Central estão hoje.
Pelo mesmo motivo, assegura, não é
preciso se preocupar com o Protocolo de
Kyoto: o custo da redução das emissões
de gases-estufa prevista no acordo é
maior que o custo estimado dos danos a
serem provocados pelo aquecimento em
cem anos. E, como os países pobres serão
ricos por essa época, é melhor gastar o
dinheiro -algo em torno de US$ 107 trilhões- em coisas mais prioritárias. Um
raciocínio plausível, talvez, para o Chile.
Mas não para Serra Leoa.
Mesmo assim, "The Skeptical Environmentalist" é uma leitura obrigatória para
todo ambientalista que se preze. O livro
mostra, e mais, demonstra, que os verdes
não são acionistas majoritários da verdade, e que informações sobre o estado do
mundo devem ser lidas sempre com cuidado. O que não quer dizer que tabelas e
gráficos sejam tão verdadeiros e objetivos quanto querem fazer crer os estatísticos.
(Claudio Angelo)
The Skeptical
Environmentalist - Measuring the Real State
of the World
de Bjorn Lomborg
505 págs., Cambridge
University Press, Reino Unido
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