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Gosto de adoçante engana a língua, mas não o cérebro
Organismo consegue identificar comida calórica mesmo sem o paladar, diz estudo
Trabalho de brasileiro ajuda a explicar por que pessoas tendem a preferir alimento pesado a outras versões "diet" com o mesmo gosto
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um experimento elaborado
por um neurocientista brasileiro mostrou que a habilidade
dos animais para identificar alimentos doces -e calóricos-
vai muito além da língua. Usando camundongos geneticamente alterados, um grupo liderado
por Ivan de Araújo, da Universidade Yale, de Connecticut
(EUA), mostrou que o cérebro
sabe inconscientemente quando o corpo ingere comidas "pesadas" mesmo numa situação
onde é impossível sentir gosto
do açúcar ou algo calórico.
A descoberta, descrita em um
estudo na edição de hoje da revista científica "Neuron", reforça a noção de que os adoçantes não-calóricos, como a sucralose e a sacarina, não são tão
bons assim em "enganar" o estômago de quem está de dieta.
Os animais usados no experimento de Araújo tiveram o
DNA alterado para se tornarem
incapazes de sentir o gosto adocicado -tanto de açúcar quanto de adoçantes. Mesmo assim,
desenvolveram preferência por
beber água de um reservatório
com açúcar.
O trabalho do brasileiro, de
certa forma, ajuda a explicar
outro experimento recente da
Universidade Purdue, de Indiana (EUA). Neste estudo, a psicóloga Susan Swithers permitiu que um grupo de ratos se alimentasse à vontade de iogurte
com sacarose, enquanto outro
tinha iogurte com açúcar sempre à disposição. Ao final, os
roedores do grupo da sacarose
acabavam bebendo muito mais
iogurte e engordavam mais.
Segundo Araújo, o que acontece é que não é apenas o gosto
da comida que ativa o chamado
"sistema de recompensa", a estrutura cerebral que permite a
animais e humanos detectar estímulos importantes -que ajudam a selecionar, de maneira
inconsciente, o comportamento mais adequado.
"Tradicionalmente, se pensava que o papel do sistema de
recompensa na condução do
comportamento alimentar estava relacionado com a detecção da palatabilidade dos compostos", explica o neurocientista. "Mas a idéia aqui é que o sistema gustatório é de alguma
maneira um sistema "auxiliar"
para o animal." Deve existir,
portanto, algum outro sistema
no organismo capaz de comunicar a ingestão de calorias ao
cérebro, que então a associa a
outro aspecto do alimento independente do paladar -a aparência ou cheiro, por exemplo.
Segundo Araújo, é provável
que o sistema nervoso saiba
medir o nível sangüíneo de glicose -ou de insulina, o hormônio da saciedade- e programar
uma reação. "Mas algumas pessoas têm falado muito na presença de receptores gustativos
no trato gastrointestinal", diz.
"De alguma forma o trato gastrointestinal estaria "saboreando" aquilo que é digerido, e isso
poderia prover algum tipo de
sinal ao sistema nervoso."
Segundo Swithers, seu trabalho e o de Araújo podem vir a
ter uso em nutrição e endocrinologia. "O tipo de processo
examinado em animais deve
operar também em humanos",
diz. "Mas é claro que humanos
têm mecanismos adicionais
que roedores não têm."
A pesquisadora americana
mostrou qual pode ser o resultado de criar desequilíbrio entre o sabor e o valor nutritivo da
comida. "Mimetizar o gosto dos
alimentos calóricos em versões
"diet" pode não ser suficiente
para você sustentar o consumo
do produto menos calórico no
longo prazo", diz Araújo.
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