São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008

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Gosto de adoçante engana a língua, mas não o cérebro

Organismo consegue identificar comida calórica mesmo sem o paladar, diz estudo

Trabalho de brasileiro ajuda a explicar por que pessoas tendem a preferir alimento pesado a outras versões "diet" com o mesmo gosto

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um experimento elaborado por um neurocientista brasileiro mostrou que a habilidade dos animais para identificar alimentos doces -e calóricos- vai muito além da língua. Usando camundongos geneticamente alterados, um grupo liderado por Ivan de Araújo, da Universidade Yale, de Connecticut (EUA), mostrou que o cérebro sabe inconscientemente quando o corpo ingere comidas "pesadas" mesmo numa situação onde é impossível sentir gosto do açúcar ou algo calórico.
A descoberta, descrita em um estudo na edição de hoje da revista científica "Neuron", reforça a noção de que os adoçantes não-calóricos, como a sucralose e a sacarina, não são tão bons assim em "enganar" o estômago de quem está de dieta.
Os animais usados no experimento de Araújo tiveram o DNA alterado para se tornarem incapazes de sentir o gosto adocicado -tanto de açúcar quanto de adoçantes. Mesmo assim, desenvolveram preferência por beber água de um reservatório com açúcar.
O trabalho do brasileiro, de certa forma, ajuda a explicar outro experimento recente da Universidade Purdue, de Indiana (EUA). Neste estudo, a psicóloga Susan Swithers permitiu que um grupo de ratos se alimentasse à vontade de iogurte com sacarose, enquanto outro tinha iogurte com açúcar sempre à disposição. Ao final, os roedores do grupo da sacarose acabavam bebendo muito mais iogurte e engordavam mais.
Segundo Araújo, o que acontece é que não é apenas o gosto da comida que ativa o chamado "sistema de recompensa", a estrutura cerebral que permite a animais e humanos detectar estímulos importantes -que ajudam a selecionar, de maneira inconsciente, o comportamento mais adequado.
"Tradicionalmente, se pensava que o papel do sistema de recompensa na condução do comportamento alimentar estava relacionado com a detecção da palatabilidade dos compostos", explica o neurocientista. "Mas a idéia aqui é que o sistema gustatório é de alguma maneira um sistema "auxiliar" para o animal." Deve existir, portanto, algum outro sistema no organismo capaz de comunicar a ingestão de calorias ao cérebro, que então a associa a outro aspecto do alimento independente do paladar -a aparência ou cheiro, por exemplo.
Segundo Araújo, é provável que o sistema nervoso saiba medir o nível sangüíneo de glicose -ou de insulina, o hormônio da saciedade- e programar uma reação. "Mas algumas pessoas têm falado muito na presença de receptores gustativos no trato gastrointestinal", diz. "De alguma forma o trato gastrointestinal estaria "saboreando" aquilo que é digerido, e isso poderia prover algum tipo de sinal ao sistema nervoso."
Segundo Swithers, seu trabalho e o de Araújo podem vir a ter uso em nutrição e endocrinologia. "O tipo de processo examinado em animais deve operar também em humanos", diz. "Mas é claro que humanos têm mecanismos adicionais que roedores não têm."
A pesquisadora americana mostrou qual pode ser o resultado de criar desequilíbrio entre o sabor e o valor nutritivo da comida. "Mimetizar o gosto dos alimentos calóricos em versões "diet" pode não ser suficiente para você sustentar o consumo do produto menos calórico no longo prazo", diz Araújo.


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