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Marcelo Gleiser
Conversa com ETs
Talvez eles sejam um modelo do que podemos ser no nosso futuro
Semana passada, reli o romance
de ficção científica "Contato",
do famoso astrônomo e divulgador de ciência norte-americano Carl
Sagan. Mais uma vez, o livro me surpreendeu pela sua clareza e pela intensidade de sua narrativa.
Uma montanha de tópicos importantes é abordada, desde os princípios
da radioastronomia e os absurdos da
Guerra Fria (o livro foi publicado em
1985) até questões relacionadas com o
embate entre ciência e religião.
Para quem não se lembra, o livro explora o primeiro contato entre nós e
os seres extraterrestres. Sagan tenta
manter a ciência em xeque, usando
apenas conceitos aceitos, mesmo que
alguns deles sejam bem especulativos.
Ele foi um dos pioneiros do programa Seti, que busca inteligências extraterrestres (do inglês Search for Extra-Terrestrial Intelligence) usando antenas parabólicas gigantescas capazes
de captar sinais de rádio de fontes extremamente distantes.
A idéia é bem simples. Do mesmo
modo que, ao sintonizarmos um rádio
numa estação de FM, digamos, 93,5
megahertz (93,5 milhões de ciclos por
segundo), estamos captando ondas
transmitidas de uma antena distante
nessa freqüência específica, poderíamos sintonizar nossos radiotelescópios para receber sinais emitidos por
"rádios" alienígenas, ou seja, transmissões de ondas de rádio vindas de
outros planetas.
Vale esclarecer que ondas de rádio
não têm nada a ver com o som que sai
dos alto-falantes de um rádio. Elas são
ondas eletromagnéticas viajando à velocidade da luz, semelhantes à luz visível mas com freqüências bem menores. O rádio é um aparelho capaz de
transformar essas ondas eletromagnéticas invisíveis em ondas de som
que podemos ouvir. Você está sempre
rodeado de inúmeras ondas eletromagnéticas invisíveis aos olhos. Fora
as diversas ondas de rádio de todas as
estações de AM, FM e TV, existem
também microondas, e ondas no infravermelho e no ultravioleta.
Se pudéssemos ver essas ondas todas, nossa realidade seria completamente caótica!
Sagan explora com maestria essa
possibilidade de ouvirmos extraterrestres. A heroína da história (já algo
de muita importância, uma mulher
como protagonista em uma obra de
ciência) capta sinais extraterrestres.
Uma vez que a Terra gira, um consórcio mundial é montado para que o sinal seja captado continuamente. A
mensagem, quando decifrada, tem informação de como construir uma máquina. Interessante que, no livro, cinco cientistas viajam, enquanto que, no
excelente filme dirigido por Robert
Zemeckis só vai um. Claro que é um
americano. (Ou melhor, americana.)
Mas o interessante aqui é a discussão sobre a construção da máquina.
Como nós reagiríamos numa situação
dessas? Alguns argumentam que a
máquina é uma bomba que destruirá a
Terra. Outros que é uma espaçonave
que trará os ETs aqui para nos escravizar. Por trás desses medos reside
uma questão importante: se recebêssemos uma mensagem de ETs, será
que deveríamos responder? Afinal,
somos uma civilização extremamente
imatura tecnologicamente. Nossos
primeiros rádios têm pouco mais de
80 anos. Certamente, outra civilização inteligente seria mais avançada. E
se ela tivesse intenções destrutivas?
Afinal, veja o que os europeus fizeram
com suas colônias. Sagan demonstra
seu otimismo ao imaginar ETs muito
mais avançados e sábios do que nós,
capazes de criar realidades virtuais indistinguíveis do mundo real.
Os ETs são essencialmente o que
chamaríamos de deuses. Talvez um
modelo do que poderemos vir a ser no
futuro, se soubermos conter nossos
instintos destrutivos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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