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Marcelo Leite
Pobre e menos limpinho
Vem pela frente uma matriz energética mais suja que a atual
O
governo brasileiro gosta de
jactar-se pela matriz energética "limpa" do país. Nada menos que 45% da energia consumida
aqui sai de fontes renováveis, como
hidrelétricas (a média mundial é 13%).
Considerada só a geração de energia
elétrica, a fatia sobe para 85%, graças à
abundância de rios e de chuvas para
encher reservatórios.
A má notícia é que não vai continuar assim. Segundo Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de
Pesquisa Energética (apesar do nome,
a EPE é vinculada ao Ministério das
Minas e Energia), em uma década essa
participação cairá para 70%. A previsão está em artigo seu no jornal "O Estado de S. Paulo".
Vem aí uma matriz obrigatoriamente mais suja, pois a diferença de 15
pontos percentuais terá de ser suprida
por termelétricas a combustíveis fósseis (óleo, gás natural ou até carvão)
ou energia nuclear. Assim quer a EPE.
As usinas fósseis (em todos os sentidos) emitem gases como o CO2, que
aprisionam radiação na atmosfera,
aquecendo-a. As hidrelétricas só o fazem em quantidade pequena e controversa (tratamos isso aqui em 12 de
novembro). As nucleares, quase nada
-mas falta solução para o lixo.
Só que aquela é a melhor hipótese
da EPE. A pior é não serem licenciadas as polêmicas hidrelétricas amazônicas nos rios Madeira (Santo Antônio
e Jirau, total de 6.450 megawatts) e
Xingu (Belo Monte, 5.680 megawatts). Aí a parcela limpa da eletricidade despencaria para 56%.
Ou seja, o Brasil iria na contramão
do necessário para combater o aquecimento global. Há quem veja no raciocínio só uma forma de pressionar pela
construção de megausinas. Numa palavra, chantagem.
O físico José Goldemberg, por
exemplo, enxerga aí prioridades erradas. Descarta construir Angra 3, para
não falar de 4 a 8 centrais nucleares
planejadas pela EPE, por ser energia
muito cara. E diz que há coisa de 10
mil megawatts de hidrelétricas menores que estariam emperradas por razões que não são ambientais.
A ONG Greenpeace também sugere
outras prioridades, como cortar 29%
do consumo projetado pela EPE para
2050. Ou, ainda, adotar metas mais
ousadas para energias alternativas,
20% de eólica (ventos) e 26% de biomassa (como bagaço de cana) na matriz brasileira.
O país tem seu programa de incentivo a energias alternativas (Proinfa).
Não é por acaso que poucos ouviram
falar dele até agora. O Proinfa abrange
menos de 3% da potência instalada
necessária até 2010. Lula prefere falar
de Madeira, PAC, biodiesel, etanol.
Bagres grandes.
Os técnicos do setor elétrico, por
seu turno, têm predileção desmesurada por energia "firme". Projetos grandes, quer dizer, daqueles que as empreiteiras adoram. Repotenciar usinas já existentes, financiar pequenas
centrais e incentivar mais alternativas
dá trabalho, mas não dá visibilidade
nem... deixa para lá.
Pior: nem o que já está em andamento do Proinfa -só 26% do previsto, revelou Daniela Chiaretti no jornal
"Valor Econômico"- o governo Lula
sabe aproveitar.
Os empreendimentos de energia alternativa já existentes poderiam gerar
créditos de carbono (por economizar
emissões de CO2) pelo chamado mecanismo de desenvolvimento limpo
(MDL) do Protocolo de Kyoto.
Por desacordo entre empreendedores e Eletrobrás, porém, créditos milionários já teriam sido desperdiçados, apontou Alexandre Canazio, da
Agência CanalEnergia (www.canalenergia.com.br).
O Brasil prefere continuar pobre. E
mais sujo.
MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma"
(Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência
em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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