São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002

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PALEONTOLOGIA

Pegadas achadas na Argentina lembram as de pássaros modernos e mudam a história evolutiva do grupo

Idade das aves recua 60 milhões de anos

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

À primeira vista, as pequenas pegadas achadas no noroeste da Argentina podiam muito bem ter vindo do chão de um galinheiro. Mas as aparências enganam: elas foram feitas há 212 milhões de anos, uns 50 milhões de anos antes de qualquer ave dar as caras no registro fóssil, o que pode reescrever a trajetória desses bichos.
As patinhas de dois ou três centímetros podem até não ser de uma ave como se conhece hoje, mas preenchem uma lacuna gigantesca na origem do grupo. É o que diz o pesquisador argentino Ricardo Melchor, da Universidad de La Pampa (centro do país), que coordenou o estudo publicado hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com).
"O hálux, ou seja, o dedão do pé, está voltado totalmente para trás nessas pegadas, assim como acontece com boa parte das aves de hoje, mas nunca ocorre com os dinossauros", disse Melchor à Folha. "Essas pegadas são praticamente idênticas às de aves modernas", diz o paleontólogo.
"Nós inclusive fomos até charcos para ver que tipo de marca as aves aquáticas costumam deixar e verificamos que as pegadas modernas são muito parecidas com os fósseis", afirma. "Acreditamos que se tratava de um dinossauro bípede, com uns 30 ou 40 cm de altura e uma morfologia de ave."
De acordo com o pesquisador, as pegadas, encontradas na região de La Rioja, teriam sido feitas por um animal acostumado a viver em pequenos pântanos formados na estação da chuva, caçando em meio às plantas aquáticas. Seria algo parecido com o moderno quero-quero (Vanelus chilensis), muito comum no Brasil.
"Existe um grande buraco no que nós sabemos sobre a evolução das aves desde que elas se separaram dos dinossauros. Não sabemos o que aconteceu antes do aparecimento do Archaeopteryx, há uns 150 milhões de anos. Vamos continuar investigando a região onde achamos essas pegadas e é possível que encontremos ossos preservados que nos ajudem a entender isso", diz Melchor.
Para o paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), o achado argentino dá mais peso à hipótese de uma origem muito antiga das aves, quase ao lado dos dinossauros. "Um animal bastante controvertido, o chamado Protoaves texensis, já tinha sido atribuído ao fim do Triássico [período que vai de 248 milhões a 213 milhões de anos atrás", mas ninguém acreditava nisso", diz Langer.
"De repente, essas pegadas podem mostrar que os defensores da origem mais antiga têm um certa razão", pondera. Langer também chama a atenção para a distribuição das pegadas no fóssil, que indica um movimento de ciscar, como fazem as aves de hoje. "É outra evidência que poderia indicar que se tratavam de aves."
Para Langer, as pegadas podem até sugerir que o aparecimento das aves a partir dos dinossauros, ocorrido numa época mais tardia, precisa ser repensado. "Pode ser que traços avianos tenham surgido e desaparecido, mas a hipótese de uma origem mais antiga parece mais interessante", conclui.



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