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PALEONTOLOGIA
Pegadas achadas na Argentina lembram as de pássaros modernos e mudam a história evolutiva do grupo
Idade das aves recua 60 milhões de anos
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
À primeira vista, as pequenas
pegadas achadas no noroeste da
Argentina podiam muito bem ter
vindo do chão de um galinheiro.
Mas as aparências enganam: elas
foram feitas há 212 milhões de
anos, uns 50 milhões de anos antes de qualquer ave dar as caras no
registro fóssil, o que pode reescrever a trajetória desses bichos.
As patinhas de dois ou três centímetros podem até não ser de
uma ave como se conhece hoje,
mas preenchem uma lacuna gigantesca na origem do grupo. É o
que diz o pesquisador argentino
Ricardo Melchor, da Universidad
de La Pampa (centro do país), que
coordenou o estudo publicado
hoje na revista científica "Nature"
(www.nature.com).
"O hálux, ou seja, o dedão do pé,
está voltado totalmente para trás
nessas pegadas, assim como
acontece com boa parte das aves
de hoje, mas nunca ocorre com os
dinossauros", disse Melchor à Folha. "Essas pegadas são praticamente idênticas às de aves modernas", diz o paleontólogo.
"Nós inclusive fomos até charcos para ver que tipo de marca as
aves aquáticas costumam deixar e
verificamos que as pegadas modernas são muito parecidas com
os fósseis", afirma. "Acreditamos
que se tratava de um dinossauro
bípede, com uns 30 ou 40 cm de
altura e uma morfologia de ave."
De acordo com o pesquisador,
as pegadas, encontradas na região
de La Rioja, teriam sido feitas por
um animal acostumado a viver
em pequenos pântanos formados
na estação da chuva, caçando em
meio às plantas aquáticas. Seria
algo parecido com o moderno
quero-quero (Vanelus chilensis),
muito comum no Brasil.
"Existe um grande buraco no
que nós sabemos sobre a evolução das aves desde que elas se separaram dos dinossauros. Não sabemos o que aconteceu antes do
aparecimento do Archaeopteryx,
há uns 150 milhões de anos. Vamos continuar investigando a região onde achamos essas pegadas
e é possível que encontremos ossos preservados que nos ajudem a
entender isso", diz Melchor.
Para o paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), o achado argentino dá mais peso à hipótese
de uma origem muito antiga das
aves, quase ao lado dos dinossauros. "Um animal bastante controvertido, o chamado Protoaves texensis, já tinha sido atribuído ao
fim do Triássico [período que vai
de 248 milhões a 213 milhões de
anos atrás", mas ninguém acreditava nisso", diz Langer.
"De repente, essas pegadas podem mostrar que os defensores
da origem mais antiga têm um
certa razão", pondera. Langer
também chama a atenção para a
distribuição das pegadas no fóssil, que indica um movimento de
ciscar, como fazem as aves de hoje. "É outra evidência que poderia
indicar que se tratavam de aves."
Para Langer, as pegadas podem
até sugerir que o aparecimento
das aves a partir dos dinossauros,
ocorrido numa época mais tardia,
precisa ser repensado. "Pode ser
que traços avianos tenham surgido e desaparecido, mas a hipótese
de uma origem mais antiga parece mais interessante", conclui.
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