São Paulo, Domingo, 27 de Junho de 1999
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FUTURO
Estudo nos EUA, realizado com macacos, procura desenvolver um método para evitar rejeição, pelo sistema de defesa do corpo humano, de órgãos implantados
Transplante sem rejeição

MARCELO FERRONI
da Reportagem Local

A rejeição a órgãos transplantados pelo corpo humano pode deixar de ocorrer, ou pelo menos ser controlada sem o uso constante de drogas, se uma nova abordagem proposta por pesquisadores dos EUA der resultados positivos em novos experimentos.
O método, testado em macacos rhesus, mostrou-se efetivo mesmo após dez meses do fim do uso de uma droga contra a rejeição. Para este ano, estão previstos os primeiros testes em seres humanos.
"Essa abordagem funciona muito bem em macacos, cujo organismo geralmente se comporta como o de humanos no que diz respeito à rejeição", disse Allan Kirk, principal investigador do estudo, em entrevista por e-mail à Folha.
"No entanto há um enorme número de variáveis que precisamos estudar antes que a terapia seja bem-sucedida em humanos. Estou convencido de que o princípio é válido e que deverá funcionar, mas, como toda a pesquisa, há muito o que ser compreendido."
Kirk, do Centro Naval de Pesquisa Médica, em Maryland, nos EUA, realizou a pesquisa ao lado de uma equipe de outros 15 cientistas de centros norte-americanos. Os resultados foram publicados na edição de junho da revista "Nature Medicine".
O método surgiu a partir do estudo da forma como o organismo reage ao detectar a presença de um corpo estranho.
Em uma das etapas do processo de rejeição, duas células relacionadas ao sistema de defesa do organismo se unem e, assim, ativam as chamadas células-T "assassinas", que atacam o corpo estranho (veja quadro ao lado).
O que os pesquisadores fizeram foi injetar nos macacos uma substância chamada hu5C8, que atacou um dos compostos que atuava como um "engate" na ligação entre as células. Sem a ligação, o sistema imunológico não pôde produzir formas de combate ao órgão transplantado.
Segundo a publicação, "o efeito (do uso da substância hu5C8) persistiu por mais de dez meses após o fim da terapia, e nenhuma droga adicional foi necessária para atingir a duração prolongada do órgão transplantado".
Em um artigo na mesma edição da "Nature Medicine", Polly Matzinger, dos Institutos Nacionais de Alergia e Doenças Infecciosas, dos EUA, discute o estudo de Kirk.
Segundo ela, apesar de promissor, há detalhes que ainda precisam ser desvendados pelos cientistas envolvidos.
Em um deles, Matzinger ressalta que os macacos, mesmo após o uso da droga, continuaram a produzir, em níveis baixíssimos, anticorpos contra o corpo estranho.
Apesar de seu pequeno número, diz ela, "o efeito pode acabar se tornando um problema".
O próprio processo de como a substância hu5C8 neutraliza o "engate" entre as células "permanece como especulação", escreveram Kirk e seus colaboradores.

A busca pelo fim da rejeição
Atualmente, as drogas usadas contra a rejeição a órgãos transplantados, como a ciclosporina, procuram inibir o sistema imunológico humano.
Os principais problemas do método, no entanto, é que as drogas precisam ser usadas durante toda a vida e, segundo Matzinger, a supressão do sistema de defesa faz com que os pacientes vivam constantemente com o risco de contrair doenças infecciosas e tumores, entre outros efeitos colaterais.
Outros estudos publicados recentemente também procuram combater a rejeição de órgãos com o uso de novas substâncias.
É o caso do estudo realizado por Uwe Staerz, do Centro Nacional Judaico Médico e de Pesquisas, nos Estados Unidos.
O método, publicado na edição de março do ano passado da revista "Nature Biotechnology", procura "desligar" as células que atacam o corpo estranho ao introduzir no corpo humano um anticorpo produzido artificialmente.
O restante do sistema imunológico não seria afetado pela nova substância, segundo Staerz. Além disso, o paciente não precisaria usar o composto pelo resto da vida. Espera-se que sejam realizados testes em seres humanos no ano que vem.


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