São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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AMBIENTE

Resultados serão apresentados durante a 3ª conferência do LBA, megaprojeto de pesquisa da floresta, em Brasília

Queimadas na Amazônia prejudicam agropecuária

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O desmatamento e as queimadas na Amazônia não são ameaças só ao clima do planeta. Novos estudos, a serem apresentados a de hoje a quinta-feira numa conferência em Brasília, indicam que o uso do fogo está alterando o ciclo de nutrientes no solo da floresta, com impactos negativos tanto para o crescimento da mata quanto para a agropecuária.
As pesquisas fazem parte do LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), um megaestudo iniciado em 1999 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia que reúne 800 pesquisadores para tentar entender como o ecossistema amazônico funciona. O projeto inicia hoje sua terceira conferência científica anual.

Fertilidade da terra
Um dos resultados a serem apresentados é o de uma pesquisa desenvolvida pelo americano Eric Davidson, do WHRC (Instituto de Pesquisa de Woods Hole, na sigla em inglês). Davidson analisou solos nas terras baixas da região e descobriu que, após ciclos repetidos de queimadas, a quantidade de fósforo e nitrogênio no solo diminui. Ambos os elementos são fundamentais para as plantas.
"Quando se fala do efeito da devastação sobre os solos, pensa-se em lixiviação e erosão. Não se conhecia o efeito do fogo no ciclo de nutrientes", disse à Folha o climatologista Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), coordenador do LBA.
O fogo é extensivamente usado para limpar áreas nas quais a floresta foi derrubada. Primeiro para a agricultura, depois, quando o solo se esgota, para a formação de pastagens.
Os estudos de Davidson, no entanto, indicam que, em boa parte dos solos amazônicos, as queimadas são um tiro no pé para a pecuária. "O fogo diminui a fertilidade dos solos. Quem se dá melhor é a vegetação pioneira [conhecida como capoeira] e as gramíneas perdem", disse Nobre.
Como seria de esperar numa região tão grande, o efeito não é o mesmo em toda parte. Áreas de solo mais fértil, como a região da BR-364 ao sul de Porto Velho, em Rondônia, não devem sofrer esgotamento de nutrientes. O problema é que essas áreas são minoria: apenas 15% dos 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia, estima Carlos Nobre.

Carbono
Outro estudo a ser apresentado na conferência, realizado por um grupo internacional de pesquisadores, mostra que florestas que brotam em solos submetidos a queimadas repetidas vezes crescem mais devagar.
O grupo, liderado por Daniel Zarin, da Universidade da Flórida, com participação de cientistas do Museu Paraense Emílio Goeldi, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), do WHRC e de outras três universidades americanas, estudou a quantidade de carbono "seqüestrado" em 90 áreas de capoeira. Essas áreas foram classificadas conforme o número de vezes em que foram queimadas antes de virar floresta secundária.
Depois, os cientistas calcularam a diferença entre a quantidade de carbono acumulado na forma de biomassa (folhas e troncos) em cada área e a quantidade prevista para esse tipo de floresta.
Eles descobriram que, em relação aos modelos, o seqüestro de carbono -e, conseqüentemente, o crescimento das árvores- nas áreas queimadas cinco ou mais vezes é mais lento do que nas áreas que não foram queimadas ou que foram queimadas uma ou duas vezes.
Segundo os autores, os resultados indicam que programas para desenvolver uma compensação a pequenos proprietários por serviços ambientais, como o Proambiente, proposto pelo governo federal, deveriam incluir créditos de carbono como forma de estimular a manutenção das florestas secundárias, em vez de executar seguidas limpezas da capoeira, usando o fogo, para usar a terra para agricultura ou pasto.
"Muita gente quer salvar a Amazônia pelo que ela vai fazer pelo clima do mundo e de outras partes do Brasil", diz Carlos Nobre. "Mas, em primeiro lugar, há os efeitos locais [da devastação], na Amazônia, que você pode observar", afirma.


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