São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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ASTRONOMIA

Objetivo é reunir material genético de várias espécies para repovoar a Terra depois de uma eventual catástrofe

Cientistas querem banco de DNA na Lua

France Presse/Nasa
A Terra vista do módulo de comando da missão americana Apollo-11, em órbita da Lua, em 1969


FERNANDA CALGARO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Dois grupos de cientistas, um americano e outro europeu, estão propondo a criação de uma "Arca de Noé" na Lua. O objetivo é ter um banco de DNA, além de óvulos, esperma e sementes congelados, para reproduzir espécies que sejam extintas caso ocorra uma catástrofe na Terra.
O primeiro passo será dado em 15 de novembro, quando a sonda européia Smart-1 deverá entrar na órbita da Lua. "Com essa missão, que será seguida por uma frota de naves não-tripuladas que irá orbitar e pousar na Lua, poderemos começar a pensar numa estação internacional", afirma Bernard Foing, astrônomo da ESA (Agência Espacial Européia, na sigla em inglês).
Sua sugestão é que, em primeiro lugar, seja desenvolvida uma estação internacional lunar -algo que já está nos planos do presidente dos EUA, George W. Bush, pelo menos até a eleição de novembro- e, em seguida, construído um precursor do "laboratório da vida". Dentro de 20 anos, ele espera ser possível ter uma base permanente na Lua, o que possibilitaria, mais tarde, a implantação de um laboratório genético e, a seguir, a criação de uma biosfera. Foing explica que somente um banco de DNA não é suficiente para originar vida, daí a necessidade de que também haja uma biosfera diversificada. "No caso de organismos sexuados, o ideal é que o óvulo fecundado seja carregado pela mãe", justifica.
Os cientistas se inspiram na história relatada pela Bíblia que conta que Noé construiu uma grande arca de madeira onde foi colocado um par vivo de cada espécie animal para repovoar a Terra após o Dilúvio. "A biodiversidade no planeta levou bilhões de anos para chegar ao estágio atual de desenvolvimento. Seria prudente estarmos preparados se acontecesse algum desastre", diz.

Ameaças
Algumas das principais ameaças atuais que preocupam os estudiosos são o efeito estufa, a proliferação de armas nucleares e a imprevisível, mas não impossível, queda de um asteróide na Terra, como o que teria causado a extinção de cerca de 30% das espécies, incluindo os dinossauros, há 65 milhões de anos.
Apesar de estimativas apontarem que em 30 anos talvez um quarto de todos os mamíferos e um décimo das espécies conhecidas de pássaros sejam dizimados por conta de mudanças climáticas drásticas em seu habitat, não há porque entrar em pânico de imediato. "Não existe urgência em ter um projeto de defesa planetária, mas o quanto antes ele começar, melhor, pois é algo que vai levar décadas de estudo", afirma William Burrows, da Universidade de Nova York, co-fundador de um fórum de debates chamado Aliança para Salvar a Civilização -ARC, na sigla em inglês.
E por que na Lua? "A Lua é o astro mais próximo da Terra e quase não tem atividade sísmica ou atmosfera", justifica Foing. A baixa gravidade do satélite natural terrestre poderia complicar o desenvolvimento de embriões gerados ali, mas, segundo o pesquisador, ainda assim seria possível criar condições para reprodução.
O cientista da ESA defende que, se o desastre na Terra for de grandes proporções, o ideal seria ter colônias auto-suficientes vivendo na Lua por alguns anos. "Após uma guerra nuclear, grande parte da superfície terrestre ficaria contaminada por radioatividade, sem falar na possibilidade da ocorrência de um inverno artificial intenso por vários meses", afirma. "Fazemos parte da geração humana que conseguiu reunir poder suficiente para erradicar a vida na Terra e, ao mesmo tempo, para salvá-la graças ao nosso conhecimento e ao avanço da tecnologia", acrescenta o astrônomo.

Biosferas
A melhor maneira de preservar as espécies seria recriar uma série de biosferas, com número suficiente de espécies e habitats. Ao mesmo tempo, não se poderia ter apenas uma ou duas amostras de DNA, mas algumas centenas para se obter uma rica diversidade de genes da mesma espécie.
"Seria importante também armazenar os seqüenciamentos genômicos obtidos até agora, para que não se precisasse fazer tudo de novo", ressalta Robert Shapiro, pesquisador da Universidade de Nova York e co-fundador da ARC. "É claro que há muito mais coisa da nossa civilização a ser preservada, mas a "Arca de Noé" já seria um bom começo", conclui.


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