São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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"A gente está de saco cheio de biólogo aqui"

DA REPORTAGEM LOCAL

Ao longo dos três anos em que viajou pelo norte de Roraima pesquisando aves, a bióloga Mariana Vale precisou aprender a conviver com o conflito entre índios e arrozeiros na reserva Raposa/Serra do Sol. A disputa, que dura até hoje, estava no auge, e a bióloga topou com uma barreira logo de cara.
"Assim que eu cheguei, eu tinha de entrar em reserva indígena para fazer meu trabalho e estava tentando desesperadamente uma entrevista com as lideranças indígenas da região para conseguir essa autorização", conta. "Mas, enquanto isso, havia indígenas sendo mortos, sendo presos, gente tocando fogo em aldeias. Obviamente a última prioridade deles era falar com uma bióloga do Rio."
Por intermédio do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), ela conseguiu se reunir com representantes do CIR (Conselho Indígena de Roraima), que não a receberam de maneira muito acolhedora.
"Foi assim, hostil. Foi barra pesada", afirma. "O que ele disseram foi: "A gente está de saco cheio de biólogo vindo aqui, pedindo autorização para entrar para fazer trabalho, porque eles vêm, fazem o trabalho, a gente não sabe nem qual foi a pergunta do trabalho, nem qual foi o resultado. Aí eles vão embora, e nunca mais se ouve falar deles."
A cientista ficou constrangida. "Acabei me questionando, porque eu estava querendo mais ou menos a mesma coisa, e eu realmente não tinha muito o que oferecer em troca."
O tom da conversa só mudou quando Vale mencionou que a principal ameaça ao joão-da-barba-grisalha eram os arrozeiros ilegais. "A gente descobriu que existe mais ou menos um inimigo em comum", disse.
Ao fim do encontro, a bióloga acabou convidada a dar aulas sobre biodiversidade em uma escola que o CIR mantém junto ao rio Surumu para formar lideranças indígenas na região.
A escola foi destruída posteriormente em um incêndio criminoso, mas foi reconstruída. Um guia de identificação de aves que Vale produziu para as aulas no CIR hoje está sendo usado tanto em escolas indígenas quanto pela Secretaria do Meio Ambiente de Roraima.
Quanto à retirada dos arrozeiros da terra indígena, onde se concentra a maior parte da população da ave, a questão não avançou muito. O prazo para a desocupação terminou em abril. O governo prometeu que em setembro a Polícia Federal retiraria os agricultores da área. "Aguardamos que o governo federal cumpra com a promessa", disse à Folha Joenia Wapichana, coordenadora jurídica do CIR. "Até agora os arrozeiros continuam plantando numa boa, como se nada tivesse acontecido." (RG)


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