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"A gente está de saco cheio de biólogo aqui"
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao longo dos três anos em
que viajou pelo norte de Roraima pesquisando aves, a bióloga
Mariana Vale precisou aprender a conviver com o conflito
entre índios e arrozeiros na reserva Raposa/Serra do Sol. A
disputa, que dura até hoje, estava no auge, e a bióloga topou
com uma barreira logo de cara.
"Assim que eu cheguei, eu tinha de entrar em reserva indígena para fazer meu trabalho e
estava tentando desesperadamente uma entrevista com as
lideranças indígenas da região
para conseguir essa autorização", conta. "Mas, enquanto isso, havia indígenas sendo mortos, sendo presos, gente tocando fogo em aldeias. Obviamente a última prioridade deles era
falar com uma bióloga do Rio."
Por intermédio do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia), ela conseguiu se
reunir com representantes do
CIR (Conselho Indígena de Roraima), que não a receberam de
maneira muito acolhedora.
"Foi assim, hostil. Foi barra
pesada", afirma. "O que ele disseram foi: "A gente está de saco
cheio de biólogo vindo aqui, pedindo autorização para entrar
para fazer trabalho, porque eles
vêm, fazem o trabalho, a gente
não sabe nem qual foi a pergunta do trabalho, nem qual foi o
resultado. Aí eles vão embora, e
nunca mais se ouve falar deles."
A cientista ficou constrangida. "Acabei me questionando,
porque eu estava querendo
mais ou menos a mesma coisa,
e eu realmente não tinha muito
o que oferecer em troca."
O tom da conversa só mudou
quando Vale mencionou que a
principal ameaça ao joão-da-barba-grisalha eram os arrozeiros ilegais. "A gente descobriu
que existe mais ou menos um
inimigo em comum", disse.
Ao fim do encontro, a bióloga
acabou convidada a dar aulas
sobre biodiversidade em uma
escola que o CIR mantém junto
ao rio Surumu para formar lideranças indígenas na região.
A escola foi destruída posteriormente em um incêndio criminoso, mas foi reconstruída.
Um guia de identificação de
aves que Vale produziu para as
aulas no CIR hoje está sendo
usado tanto em escolas indígenas quanto pela Secretaria do
Meio Ambiente de Roraima.
Quanto à retirada dos arrozeiros da terra indígena, onde
se concentra a maior parte da
população da ave, a questão não
avançou muito. O prazo para a
desocupação terminou em
abril. O governo prometeu que
em setembro a Polícia Federal
retiraria os agricultores da
área. "Aguardamos que o governo federal cumpra com a
promessa", disse à Folha Joenia Wapichana, coordenadora
jurídica do CIR. "Até agora os
arrozeiros continuam plantando numa boa, como se nada tivesse acontecido."
(RG)
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