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São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003

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BIOLOGIA

Parentes mais próximos do homem devem ajudar a descobrir novos genes e as áreas que os controlam, diz estudo

DNA de macaco elucida genoma humano

Divulgação/Conservation International
O Callithrix acariensis é uma das duas espécies de sagui descobertas em 2000 na Amazônia, na área do rio Madeira


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Chegou a vez dos macacos no genoma. Uma pesquisa publicada hoje sugere que o DNA dos parentes próximos da humanidade pode ser a chave para elucidar quais são e como funcionam os genes do Homo sapiens, graças ao tempo relativamente pequeno que os separa dele na evolução.
As informações presentes no genoma dos primatas brasileiros podem ser cruciais para conseguir isso. "De fato, nós achamos que o genoma dos macacos sul-americanos pode ser o mais informativo nesse sentido", diz o biólogo italiano Dario Boffelli, 35, um dos autores do estudo que sai hoje na revista americana "Science" (www.sciencemag.org).
"O método será particularmente útil para a identificação de todos os genes humanos", disse Boffelli à Folha. "A semelhança entre as sequências simplifica todo o cálculo que precisamos fazer para encontrar um gene", afirma o pesquisador, que nasceu em Roma, mas trabalha no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia (EUA).

Macacos brasileiros
Por enquanto, a equipe conseguiu identificar com precisão trechos importantes de diversos genes ao comparar o genoma humano com trechos do de 17 espécies de macaco -algumas delas bem brasileiras, como o macaco-de-cheiro (Saimiri sciureus) ou o zogue-zogue (Callicebus moloch).
Os resultados devem ajudar a limpar o nome dos primatas na genômica. Afinal, até pouco tempo atrás, acreditava-se que não era lá muito útil comparar o DNA dos bichos com o humano porque os dois eram parecidos demais. Sem diferenças significativas, não seria possível criar hipóteses sobre as funções de cada trecho nas duas espécies.
Durante muito tempo, o genoma considerado ideal para identificar mais genes humanos (cujo número estimado varia de 30 mil a 40 mil) era o do camundongo (Mus musculus). Mamífero como o homem, ele se separou dos ancestrais da humanidade há "apenas" 75 milhões de anos e, portanto, deveria ser parecido e diferente na medida certa -além de ser o animal mais usado em experimentos pelo mundo.
Acontece que, na prática, a coisa se mostrou mais complicada. Apenas 40% das sequências humanas têm correspondentes diretos nos roedores, e muito disso parece estar ligado a regiões do genoma que, na verdade, não servem para nada. Por outro lado, genes especificamente humanos e importantes do ponto de vista terapêutico correm o risco de nem existir nos camundongos.
É aí que entram em cena os primatas estudados por Boffelli e seus colegas. Para a análise, eles criaram um método que leva em conta o grau de parentesco entre os vários símios e o homem, que pode variar de 6 milhões de anos (no caso dos chimpanzés) a 40 milhões de anos (para os macacos sul-americanos em geral).
Ao combinar as informações vindas das diferentes espécies, é como se os pesquisadores criassem a mesma distância genética que existe entre o homem e o camundongo. Mas com uma vantagem: a chance de os macacos terem trechos de DNA muito mais próximos dos tipicamente humanos é muito maior.

Em detalhes
Com isso, a equipe pôde achar áreas muito pequenas, responsáveis por regular a ativação e desativação dos genes, mas que não estão dentro deles. Fazem parte do que os cientistas costumavam chamar de "DNA-lixo", além de delimitar fronteiras até então desconhecidas entre um gene humano e outro.
"É uma abordagem muito interessante", diz Emmanuel Dias Neto, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da USP e um dos principais estudiosos do genoma humano no Brasil. "Em geral, você não tem ferramentas para achar essas regiões regulatórias."
"Com isso, eu imagino que vai ser possível mostrar que entre 70% e 80% do genoma tem uma função", ao contrário do que os primeiros dados indicavam. "Vai ser extremamente útil, mas não vai resolver tudo, porque algumas coisas devem ser muito particulares da nossa espécie", afirma.
Para Boffelli, o trabalho mostra a importância de escolher o genoma das espécies certas para sequenciar. E a equipe já tem suas prediletas: as do gênero Ateles (macacos-aranha), Callicebus (sauás) e Callithrix (ao qual pertencem diversos saguis).


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