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Micro/Macro
As grandes muralhas cósmicas
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
No final dos anos 70, avanços na tecnologia de telescópios e processamento de dados permitiram que astrônomos fizessem com o Universo o que
exploradores dos séculos 15 e 16 fizeram
com a Terra: criar mapas para explorar
terras longínquas. Claro, no caso do Universo, a exploração tem de ser feita indiretamente, pelo menos até que sejam inventadas caravelas cósmicas.
Se isso é uma desvantagem em relação
a Cabral e seus amigos, temos também
uma grande vantagem: ao contrário de
pontos distantes na superfície da Terra,
os pontos distantes do Universo, as galáxias, emitem luz que chega até nossos telescópios. Portanto, podemos explorá-las sem ter de ir a elas: elas vêm a nós.
Os mapas do Universo, ou mapas da
estrutura de larga escala, são construídos
medindo a posição de milhares de galáxias, situadas a distâncias que chegam a
bilhões de anos-luz. Ou seja, a luz que
chega aos nossos telescópios hoje saiu
dessas galáxias antes da origem da Terra,
há cerca de 4,5 bilhões de anos.
O mapeamento tridimensional do
Universo começou para valer com o projeto liderado pelos astrônomos americanos Margaret J. Geller e John P. Huchra e
pela francesa Valérie de Lapparent, do
Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (CfA). Em 1986, eles publicaram um
mapa contendo a posição de 1.100 galáxias, parte de um levantamento que obteve a posição de 18 mil galáxias. Para visualizar o mapa, imagine as galáxias como pontos de luz, espalhados em torno
da Terra em todas as direções.
Na verdade, mapas de galáxias são limitados a pequenas "fatias do céu", já
que obter a posição de galáxias em todas
as direções tomaria um tempo absurdo,
especialmente em 1986. Os resultados do
grupo do CfA foram surpreendentes. Ao
contrário da expectativa geral, a de que
galáxias estariam distribuídas aleatoriamente pelo espaço, o mapa mostrou que
elas se agrupam em estruturas complexas, em torno de bolhas (chamados vazios cósmicos) e filamentos, alguns deles
com centenas de milhões de anos-luz de
extensão. Essas estruturas ficaram conhecidas como "muralhas cósmicas".
A maior delas, a "Grande Muralha",
chegava a ter 700 milhões de anos-luz de
extensão. Ela atravessava o mapa de
ponta a ponta.
Isso criou um grande problema. O
princípio mais fundamental da cosmologia, conhecido como Princípio Cosmológico, afirma que, em média, o Universo
é o mesmo em qualquer lugar ou em
qualquer direção. Claro, existem agrupamentos locais onde um número maior
de galáxias e seus aglomerados são encontrados. Mas, a grandes distâncias, o
Universo tem de ter a mesma cara. Feito
um campo de futebol. Perto da grama, dá
para ver buracos ou locais onde a grama
está mais longa. Mas, de uma distância
de cem metros, em média a grama parece ser toda igual, homogênea.
Uma muralha com extensão de 700
milhões de anos-luz parece contradizer o
Princípio Cosmológico, como se o gramado fosse atravessado de ponta a ponta
por um buraco de um metro de largura.
Será que os fundamentos da cosmologia
têm de ser revisados? Apenas mapas
maiores poderiam resolver a questão.
Entre 1988 e 1994, um mapa contendo
26.418 galáxias foi produzido por Stephen Shectman, do Instituto Carnegie
em Washington. Usando o telescópio de
2,5 metros do Observatório de Las Campañas, no Chile, Shectman pôde explorar
distâncias bem maiores do que o time do
CfA. Resultado: a Grande Muralha parecia ser a maior estrutura existente. Ou seja, o Universo aparentava ser homogêneo em escalas maiores do que centenas
de milhões de anos-luz, e o Princípio
Cosmológico permanecia válido. Mas o
mapa ainda não era grande o suficiente
para ser conclusivo. E se existissem estruturas com bilhões de anos-luz?
Dois grande projetos resolveram a
questão. Fibras ópticas e computadores
obtêm automaticamente a posição de
centenas de galáxias por noite. Um grupo da Austrália e do Reino Unido mapeou 221.414 galáxias em 5 anos. Outro, o
Levantamento Celeste Digital Sloan, mapeará 1 milhão de galáxias e já está na
metade. Os mapas obtidos contêm muralhas com até 1 bilhão de anos-luz de extensão. Mas o Universo visível tem 14 bilhões de anos-luz. O campo é meio esburacado, mas ainda dá para jogar.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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