São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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Ciência em Dia

Sobre camundongos, orelhas e mamas

Marcelo Leite
editor de Ciência

Poucas coisas marcaram tanto o imaginário social quanto o anúncio, há quase dez anos, de que pesquisadores de Massachusetts (EUA) haviam criado um camundongo que cultivava uma orelha humana nas costas. O mesmo Estado norte-americano produziu agora uma quimera rival à altura: fêmeas do roedor com mamas humanizadas.
Desta vez, o artefato tecnocientífico não vem acompanhado de uma imagem perturbadora. Ninguém será confrontado com seios periformes pendendo das roedoras. Basta, porém, a noção de que esse tipo de tecido humano (logo esse) viva e prospere sob a pele de um camundongo para incomodar muita gente.
O passo dado, de todo modo, é bem maior. O pavilhão auditivo, apesar de imediatamente reconhecível como humano, não o era tanto assim. Sua forma característica fora providenciada por uma estrutura de plástico biodegradável, semeada com células humanas de cartilagem. Nutridas pelo corpo do camundongo, as células se multiplicaram e resultaram na tal "orelha". Humana, vá lá.
Coisa diversa foi manufaturada no Instituto Whitehead do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, um dos templos maiores da tecnociência) e anunciada na revista científica "PNAS" (www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0401064101).
O grupo de Robert Weinberg e Charlotte Kuperwasser conseguiu o que muitos tentavam: observar a formação de tecido mamário funcional, ao vivo, mas fora do corpo humano. É ferramenta tida como muito útil para estudar uma das formas mais comuns de câncer.
O tecido enxertado nas roedoras desenvolveu-se normalmente, formando dutos de leite (embora desconectados do mamilo murino). Até o surgimento de tumores foi verificado, em uma das camundongas localmente humanizadas.
O truque do pessoal do MIT foi usar dois tipos de células (epiteliais e fibroblastos, e não um só, como se fazia), além de submeter metade dos fibroblastos a cargas de raios X antes do transplante. O segundo tipo de célula parece preparar uma espécie de leito para as do primeiro tipo, injetadas posteriormente na mama esvaziada da pobre roedora.
Os raios X foram empregados porque já era sabido que eles têm a capacidade de estimular fibroblastos a produzir alguns hormônios de crescimento. Os cientistas admitem, porém, que não sabem ao certo por que sua técnica construtiva funciona: "É feitiçaria", disse Weinberg à jornalista Helen Pearson, do boletim eletrônico "Nature Science Update" (www.nature.com/nsu).
Pode até ser força de expressão, mas que parece feitiçaria, isso parece.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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