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Ciência em Dia
Sobre camundongos, orelhas e mamas
Marcelo Leite
editor de Ciência
Poucas coisas marcaram tanto o imaginário social quanto o anúncio, há
quase dez anos, de que pesquisadores de
Massachusetts (EUA) haviam criado um
camundongo que cultivava uma orelha
humana nas costas. O mesmo Estado
norte-americano produziu agora uma
quimera rival à altura: fêmeas do roedor
com mamas humanizadas.
Desta vez, o artefato tecnocientífico
não vem acompanhado de uma imagem
perturbadora. Ninguém será confrontado com seios periformes pendendo das
roedoras. Basta, porém, a noção de que
esse tipo de tecido humano (logo esse)
viva e prospere sob a pele de um camundongo para incomodar muita gente.
O passo dado, de todo modo, é bem
maior. O pavilhão auditivo, apesar de
imediatamente reconhecível como humano, não o era tanto assim. Sua forma
característica fora providenciada por
uma estrutura de plástico biodegradável,
semeada com células humanas de cartilagem. Nutridas pelo corpo do camundongo, as células se multiplicaram e resultaram na tal "orelha". Humana, vá lá.
Coisa diversa foi manufaturada no Instituto Whitehead do MIT (Instituto de
Tecnologia de Massachusetts, um dos
templos maiores da tecnociência) e
anunciada na revista científica "PNAS"
(www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0401064101).
O grupo de Robert Weinberg e Charlotte Kuperwasser conseguiu o que muitos tentavam: observar a formação de tecido mamário funcional, ao vivo, mas fora do corpo humano. É ferramenta tida
como muito útil para estudar uma das
formas mais comuns de câncer.
O tecido enxertado nas roedoras desenvolveu-se normalmente, formando
dutos de leite (embora desconectados do
mamilo murino). Até o surgimento de
tumores foi verificado, em uma das camundongas localmente humanizadas.
O truque do pessoal do MIT foi usar
dois tipos de células (epiteliais e fibroblastos, e não um só, como se fazia), além
de submeter metade dos fibroblastos a
cargas de raios X antes do transplante. O
segundo tipo de célula parece preparar
uma espécie de leito para as do primeiro
tipo, injetadas posteriormente na mama
esvaziada da pobre roedora.
Os raios X foram empregados porque
já era sabido que eles têm a capacidade
de estimular fibroblastos a produzir alguns hormônios de crescimento. Os
cientistas admitem, porém, que não sabem ao certo por que sua técnica construtiva funciona: "É feitiçaria", disse
Weinberg à jornalista Helen Pearson, do
boletim eletrônico "Nature Science Update" (www.nature.com/nsu).
Pode até ser força de expressão, mas
que parece feitiçaria, isso parece.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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