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FÍSICA
Sistema montado na USP pode confirmar previsões da relatividade geral e existência de astros hoje indetectáveis
Detector brasileiro entra na corrida por onda gravitacional
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Albert Einstein percebeu que o espaço-tempo não era
absoluto e que a presença de matéria poderia fazê-lo contrair-se
ou expandir-se nas imediações,
logo intuiu que objetos maciços
em movimento poderiam produzir "marolas" no tecido do espaço-tempo, propagadas à velocidade da luz em todas as direções.
Desde então, os físicos têm corrido atrás delas. O Brasil deve entrar na briga no ano que vem.
É quando está programado para
entrar em operação o detector de
ondas gravitacionais Mario
Schenberg, caso tudo corra conforme as expectativas. "Estamos
dependendo de importações de
componentes para os sensores",
diz Odylio Denys Aguiar, do Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais), um dos líderes do projeto. "Supondo que cheguem até
setembro, no início de 2005 teremos o detector funcionando."
O equipamento presta homenagem ao físico brasileiro Mario
Schenberg (1914-1990), que determinou, nos anos 1940, o modo pelo qual certas estrelas entram em
colapso e viram supernovas, em
parceria com o russo-americano
George Gamow (1904-1968).
Caça ao tesouro
As previsões de Einstein (1879-1955) sobre a existência de ondas
gravitacionais vieram em 1916.
Elas são emitidas quando um corpo com massa está em movimento acelerado. Correndo a partir
desse corpo, como ondas formadas pela queda de uma pedra
num lago, vão para todas as direções, causando rápidas oscilações
na métrica do espaço e do tempo.
Em termos mais simples, quando uma onda gravitacional passa
por um objeto, ela faz com que ele
varie minimamente de tamanho,
por uma fração ínfima de tempo.
Em 1969, o físico americano Joseph Weber (1919-2000) anunciou que havia construído um detector e, pela primeira vez, observado as tais marolas cósmicas.
De início, o campo entrou em
ebulição, e diversos experimentalistas ao redor do mundo tentaram "ver" as ondas. Mas, como
ninguém conseguiu reproduzir os
resultados de Weber, o estudo
caiu em descrédito. "Na época, isso prejudicou as tentativas de
conseguir financiamento para
pesquisa, especialmente nos Estados Unidos", diz Aguiar.
A maré virou recentemente, e os
americanos estão agora com
grandes projetos de detecção de
ondas. Dois complexos conjuntos
de laser com quilômetros de extensão, parte do projeto Ligo, já
estão operando, a um custo de
mais de US$ 300 milhões.
O Schenberg é bem mais modesto, mas também fará pesquisa
de ponta, segundo Aguiar. "Sua
sensibilidade será tão boa quanto
a do Ligo. Em alguns casos, pode
até ultrapassar", ele afirma.
O projeto é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo)
e seu custo final é estimado em
US$ 700 mil. O equipamento está
sendo montado no Instituto de
Física da USP, em São Paulo.
O detector brasileiro trabalha
com a idéia de que é possível identificar minúsculas vibrações na
matéria (no caso, uma esfera de
alumínio e cobre, feita para ressoar como um sino, mas sob efeito de ondas gravitacionais) causadas pelas distorções no espaço-tempo. Já os projetos que envolvem laser pretendem medir essas
flutuações vendo os efeitos que
elas têm na propagação da luz.
Os detectores de massa ressonante, além de mais baratos, têm
outra vantagem: quando esféricos, podem detectar ondas vindas
de todas as direções e determinar
de onde elas estão vindo.
Em compensação, eles trabalham com um número de freqüências bem mais limitado que
os sistemas de laser.
Big Bang para Machos
Além de confirmar as previsões
da teoria da relatividade geral
com relação a ondas gravitacionais (explicações alternativas
existem, mas prevêem resultados
diferentes para determinadas
ocasiões), os experimentos de detecção vão abrir novas possibilidades de observação do cosmos.
Projetos grandes como o Ligo,
por exemplo, vão tentar detectar
o "eco gravitacional" do próprio
Big Bang -explosão que, pela
teoria, teria originado o Universo.
No caso do Schenberg, será possível detectar o sinal de duas estrelas de nêutrons se chocando,
evento que precederia a formação
de um buraco negro. O alcance da
detecção atinge o alcance de 50
milhões de anos-luz -raio suficiente para abrigar 2.500 galáxias.
O detector brasileiro também
poderia enxergar resquícios do
Big Bang -na forma de Machos
(Objetos-Halo Maciços Compactos, na sigla em inglês). Seriam
buracos negros muito pequenos,
com metade da massa do Sol, formados nos estágios iniciais de
nascimento do Universo. Alguns
modelos cosmológicos predizem
sua existência, mas ninguém sabe
se eles realmente estão por aí.
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