São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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FÍSICA

Sistema montado na USP pode confirmar previsões da relatividade geral e existência de astros hoje indetectáveis

Detector brasileiro entra na corrida por onda gravitacional

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Albert Einstein percebeu que o espaço-tempo não era absoluto e que a presença de matéria poderia fazê-lo contrair-se ou expandir-se nas imediações, logo intuiu que objetos maciços em movimento poderiam produzir "marolas" no tecido do espaço-tempo, propagadas à velocidade da luz em todas as direções. Desde então, os físicos têm corrido atrás delas. O Brasil deve entrar na briga no ano que vem.
É quando está programado para entrar em operação o detector de ondas gravitacionais Mario Schenberg, caso tudo corra conforme as expectativas. "Estamos dependendo de importações de componentes para os sensores", diz Odylio Denys Aguiar, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), um dos líderes do projeto. "Supondo que cheguem até setembro, no início de 2005 teremos o detector funcionando."
O equipamento presta homenagem ao físico brasileiro Mario Schenberg (1914-1990), que determinou, nos anos 1940, o modo pelo qual certas estrelas entram em colapso e viram supernovas, em parceria com o russo-americano George Gamow (1904-1968).

Caça ao tesouro
As previsões de Einstein (1879-1955) sobre a existência de ondas gravitacionais vieram em 1916. Elas são emitidas quando um corpo com massa está em movimento acelerado. Correndo a partir desse corpo, como ondas formadas pela queda de uma pedra num lago, vão para todas as direções, causando rápidas oscilações na métrica do espaço e do tempo.
Em termos mais simples, quando uma onda gravitacional passa por um objeto, ela faz com que ele varie minimamente de tamanho, por uma fração ínfima de tempo.
Em 1969, o físico americano Joseph Weber (1919-2000) anunciou que havia construído um detector e, pela primeira vez, observado as tais marolas cósmicas.
De início, o campo entrou em ebulição, e diversos experimentalistas ao redor do mundo tentaram "ver" as ondas. Mas, como ninguém conseguiu reproduzir os resultados de Weber, o estudo caiu em descrédito. "Na época, isso prejudicou as tentativas de conseguir financiamento para pesquisa, especialmente nos Estados Unidos", diz Aguiar.
A maré virou recentemente, e os americanos estão agora com grandes projetos de detecção de ondas. Dois complexos conjuntos de laser com quilômetros de extensão, parte do projeto Ligo, já estão operando, a um custo de mais de US$ 300 milhões.
O Schenberg é bem mais modesto, mas também fará pesquisa de ponta, segundo Aguiar. "Sua sensibilidade será tão boa quanto a do Ligo. Em alguns casos, pode até ultrapassar", ele afirma.
O projeto é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e seu custo final é estimado em US$ 700 mil. O equipamento está sendo montado no Instituto de Física da USP, em São Paulo.
O detector brasileiro trabalha com a idéia de que é possível identificar minúsculas vibrações na matéria (no caso, uma esfera de alumínio e cobre, feita para ressoar como um sino, mas sob efeito de ondas gravitacionais) causadas pelas distorções no espaço-tempo. Já os projetos que envolvem laser pretendem medir essas flutuações vendo os efeitos que elas têm na propagação da luz.
Os detectores de massa ressonante, além de mais baratos, têm outra vantagem: quando esféricos, podem detectar ondas vindas de todas as direções e determinar de onde elas estão vindo.
Em compensação, eles trabalham com um número de freqüências bem mais limitado que os sistemas de laser.

Big Bang para Machos
Além de confirmar as previsões da teoria da relatividade geral com relação a ondas gravitacionais (explicações alternativas existem, mas prevêem resultados diferentes para determinadas ocasiões), os experimentos de detecção vão abrir novas possibilidades de observação do cosmos.
Projetos grandes como o Ligo, por exemplo, vão tentar detectar o "eco gravitacional" do próprio Big Bang -explosão que, pela teoria, teria originado o Universo.
No caso do Schenberg, será possível detectar o sinal de duas estrelas de nêutrons se chocando, evento que precederia a formação de um buraco negro. O alcance da detecção atinge o alcance de 50 milhões de anos-luz -raio suficiente para abrigar 2.500 galáxias.
O detector brasileiro também poderia enxergar resquícios do Big Bang -na forma de Machos (Objetos-Halo Maciços Compactos, na sigla em inglês). Seriam buracos negros muito pequenos, com metade da massa do Sol, formados nos estágios iniciais de nascimento do Universo. Alguns modelos cosmológicos predizem sua existência, mas ninguém sabe se eles realmente estão por aí.


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