|
Próximo Texto | Índice
Efeito estufa turbinou furacões de 2005
Estudo fornece evidência concreta para ligar o aquecimento global ao Katrina e a outros eventos climáticos intensos
Parcela humana da culpa
pela alta temperatura nas
águas atlânticas -energia
que alimenta os ciclones-
é de 50%, dizem cientistas
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um estudo publicado ontem
por uma dupla de climatologistas oferece dados concretos para aquilo que ambientalistas vinham tentando fazer desde o final do ano passado: culpar o
aquecimento global pela temporada de furacões devastadores em 2005.
O trabalho, escrito por Kevin
Trenberth e Dennis Shea, do
Centro Nacional para Pesquisa
Atmosférica dos EUA, calcula
que ações humanas foram a razão de metade do aumento da
temperatura média das águas
do Atlântico Norte tropical
(+0,9C). Foi esse o fenômeno
que ofereceu combustível para
eventos climáticos intensos,
como o furacão Katrina, que
devastou Nova Orleans em setembro do ano passado.
O estudo foi uma resposta
dos autores a cientistas que se
diziam céticos com relação ao
papel térmico das emissões de
dióxido de carbono nas temperaturas do Atlântico. Segundo
esse grupo, o aquecimento recorde das águas do Atlântico
em 2005 se deveu a um fenômeno chamado oscilação multidecadal, um ciclo natural com
períodos de 60 a 80 anos, ao final dos quais a água apresenta
maior temperatura.
O estudo, publicado no periódico "Geophysical Research
Letters" também descarta a hípotese de que efeitos colaterais
do El Niño -o superaquecimento das águas equatoriais do
Pacífico ao fim de cada ano-
teriam sido os principais vilões
térmicos dos furacões.
Subtração
Para derrubar essas teorias, a
dupla usou cálculos relativamente simples. "Subtraímos a
cota do aquecimento global do
aumento da temperatura da superfície oceânica no Atlântico
Norte, e com isso isolamos a
contribuição da oscilação multidecadal e do El Niño", disse
Trenberth à Folha.
O resultado da conta é que o
aquecimento global -um produto das emissões de gás carbônico de origem humana- é
responsável por metade
(0,45C) da temperatura extra
que as águas do Atlântico tropical registraram em 2005. Efeitos do El Niño ficam com 0,2C
da cota, e a oscilação multidecadal com apenas 0,1C, na estimativa menos conservadora.
Apesar da aparente simplicidade dos cálculos, os cientistas
usaram grande quantidade de
dados no estudo. Para definir
um padrão de comparação com
2005, recorreram a um histórico de temperaturas oceânicas e
dados climatológicos pelo período de 1900 a 1970.
A exemplo de qualquer trabalho que ameaçe a estratégia
do governo norte-americano
de atacar evidências contra a
culpa humana pelo aquecimento global, o estudo de
Trenberth já virou alvo de críticas. Dessa vez, porém, os ataques parecem ser mais comedidos. "Alguns cientistas de furacão já começaram a fazer críticas, mas eles não me disseram
nada sobre as informações no
estudo", diz Trenberth. "Eles
parecem apenas não gostar do
nosso resultado."
Para o climatologista brasileiro Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o trabalho de Trenberth e
Shea é "muito relevante" porque é capaz de quantificar os
impactos do aquecimento global nos extremos climáticos.
"Eles fizeram simulações do
efeito deste quase meio grau
centígrado na intensidade do
Katrina e chegaram à conclusão de que o vento máximo foi
cerca de 7% mais forte", diz
Nobre. "As chuvas, ressacas e
inundações foram maiores do
que se a temperatura do mar
não estivesse este antropogênico 0,5C mais quente."
Trenberth diz esperar que
seu estudo ajude a estimular
medidas para redução da emissão de dióxido de carbono, mas
reverter a tendência de ocorrerem estações de furacões comparáveis à de 2005 será um
processo demorado.
"Os oceanos perdem calor
muito vagarosamente", explica. "Por isso, o nível do mar e as
temperaturas oceânicas devem
subir lentamente pelos próximos cem anos, mesmo que se
altere todas as emissões dentro
de 50 anos."
Próximo Texto: Física: Europa começa busca por onda de gravidade Índice
|