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ENTREVISTA DA 2ª
ROGER PAYNE
História mostrará a caça japonesa como vergonha
Para especialista em baleias, buscar consenso contra a caça é como tentar paz no Oriente Médio pelo diálogo
Mike Hutchings/Reuters
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Em 2004, baleia jubarte dá salto na
costa da África do Sul
REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A AGADIR
Pouca gente além do biólogo Roger Payne, 75, pode
dizer que sua obra já ultrapassou o Sistema Solar.
Ocorre que os cantos de
machos de baleia-jubarte
gravados por Payne estão no
célebre Disco de Ouro, um registro de sons da Terra enviados para o espaço com sondas Voyager. Ele é um dos
pioneiros no estudo da comunicação entre os animais.
Payne falou com a Folha
em Agadir (Marrocos), onde
ocorreu, na semana passada,
a reunião da CIB (Comissão
Internacional da Baleia).
Veterano das reuniões da
CIB, comemorou o fato de
que um acordo para trazer de
volta a caça comercial não tenha passado. Criticou duramente a indústria baleeira japonesa, dizendo que a história julgará o país por seu apego a um modelo predatório.
FOLHA - Depois de décadas de
estudo, o que o sr. acha que se
pode dizer com segurança sobre o papel do canto entre
machos, no caso das baleias?
Roger Payne - Ainda sofremos de uma completa ignorância em relação a isso. Ainda não dá para saber se o propósito principal é repelir outros machos, atrair fêmeas ou
os dois. Eu suspeito que seja
os dois, porque é assim que
funciona com os pássaros.
Eles não ficam ali gorjeando
alegremente um do lado do
outro, eles estão brigando.
Como o sr. vê o futuro da CIB,
depois das duras negociações
da semana passada?
Não sei se você se lembra
do Spiro Agnew, aquele vice
do [ex-presidente americano
Richard] Nixon que acabou
sofrendo um impeachment
por ter sido corrupto, mas só
um pouquinho corrupto (risos). Perguntaram a um sindicalista americano sobre
Agnew e ele respondeu:
"Bem, é o único vice-presidente que temos, não é?".
A CIB é igual. Conseguiu
algo extraordinário ao evitar
extinções com a moratória à
caça comercial. Mas é um órgão totalmente corrupto,
precisa ser reformado.
Tentar algo que fosse um
consenso foi uma ideia nobre, mas que só pode ser explicada por inexperiência,
vinda quem não estava por
aqui nos últimos 30 anos. É
dizer "olhe, vou falar com israelenses e palestinos, vai ser
uma decisão por consenso,
vai dar certo". Não dá. Há visões tão diferentes em jogo
que não se pode resolver as
coisas por negociação
O que acha quando o Japão
diz que há bons argumentos
científicos em favor de uma
captura limitada de baleias
de certas espécies?
A ciência que o Japão está
fazendo [na suposta caça
científica] é totalmente irrelevante para determinar esse
limite de captura, e é obviamente só uma desculpa para
manter a atividade baleeira.
E eles usarem a mesma desculpa por 24 anos é insuportável. Eu penso "pelo amor
de Deus, parem com isso".
Uma captura limitada certamente é possível. Eu não
gostaria de vê-la, mas quem
se importa com o que me
agrada? É viável desde que as
pessoas responsáveis pela
captura sejam absolutamente honestas, coletem os dados e realmente os compartilhem com os outros. Mas
achar que eles farão isso...
Como assim?
Quero dizer, por que você
acreditaria que um país vá
mudar de uma hora para outra e virar um troço maravilhoso, gentil, cheio de consideração, quando tudo o que
andaram fazendo foi trapacear, mentir e encher a comissão de gente que foi comprada por eles?
Eu adoro a cultura japonesa. O povo japonês é maravilhoso. Mas eu diria que, no
futuro, a posição do Japão sobre a atividade baleeira nos
dias de hoje vai ser considerada uma vergonha pelo julgamento da história. E,
quando as pessoas entenderem a importância de outras
espécies, a importância do
que nós perdemos, vão acabar compreendendo o tamanho desse pecado. Eu e você
não gostaríamos de ser os
descendentes das pessoas
que vêm do Japão para a reunião da CIB todos os anos.
A única coisa que fará a caça parar é quando acabarem
as chances de ela ser lucrativa. E o Japão se lembra muito
bem de quando a caça industrial era comum, nos anos
1950, e de como ela era a atividade pesqueira mais lucrativa do mundo.
Então o que eles querem é
deixar a coisa rolando, mantendo as habilidades, o maquinário, até que consigam
voltar à caça industrial. É
loucura dar cotas de caça a
eles. Aliás, desde antes de você nascer, os japoneses têm
ameaçado deixar a CIB. A minha reação é [boceja]: "Ah,
vão sair? OK, boa sorte".
Se a caça já foi tão lucrativa,
será que ela pode se tornar
um grande negócio de novo
quando as populações de baleias voltarem a níveis altos?
Nunca vai ser tão lucrativo
de novo, porque no passado
eles não estavam caçando
baleias, estavam minerando
baleias, estavam destruindo
o recurso. Dá para ganhar milhões fazendo isso por um
tempinho curto. E aí a coisa
para.
O que o sr. acha da mística em
torno das baleias como "os
animais mais inteligentes do
mundo"?
Bom, se elas não são os
animais mais inteligentes do
mundo, então nós somos, o
que significa que talvez não
seja tão bom ser inteligente
(risos).
Eu não sei para que elas
usam aquele cérebro complicado, mas acho que tem bastante a ver com processamento de sinais. Se eu der
um berro aqui e escutar o
eco, o máximo que vou conseguir é imaginar, com base
no som, que estamos num lugar fechado e bastante amplo. Já a baleia vai saber o número de pilares, as pessoas
se mexendo, esse tipo de coisa.
E, claro, também há o lado
social. A sociabilidade exige
que você fique o tempo todo
tentando detectar trapaceiros, tentando entender motivações para ser não passado
para trás. Então, não é surpreendente que primatas como nós, baleias e elefantes,
todos vivendo em sociedades
complicadas, tenham esses
cérebros complexos.
FOLHA.com
Ouça o canto das baleias,
estudado por Payne
folha.com.br/am757273
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