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Maconha sintética salva células-tronco
Moléculas que ativam mesmas estruturas celulares afetadas pela droga aumentam em 45% sobrevivência das células
Pesquisa da UFRJ pode abrir
caminho para método mais
eficiente de produção em
laboratório, melhorando
as chances de transplante
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Substâncias cuja ação equivale à do princípio ativo da maconha podem ajudar os cientistas a aumentar o "prazo de validade" das células-tronco embrionárias. As moléculas diminuem em até 45% a morte das
células em laboratório, o que
pode se revelar uma forma de
aumentar a eficiência de futuras terapias com base nelas.
As células-tronco embrionárias se destacam pela versatilidade, tendo o poder comprovado de assumir o papel de qualquer tecido do organismo adulto. Por isso, o grande sonho da
medicina regenerativa é usá-las para reconstruir órgãos danificados. Mas um dos muitos
obstáculos no caminho do plano é a baixa eficiência com que
elas se mantêm no organismo.
Sobreviventes
"Sabemos que, por razões diversas, somente entre 1% e
20% das células-tronco transplantadas sobrevivem in vivo
[no corpo], o que reduz a eficácia delas e traz a necessidade de
transplantes com números significativamente maiores de células do que as de fato terão algum efeito", explica Stevens
Rehen, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da
UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e coautor do
estudo, na revista científica
"Cell Biology International".
Alguns dados preliminares já
mostravam um elo entre a
chance da sobrevida das células-tronco e a ativação das fechaduras químicas CB1 e CB2,
conhecidas como receptores
canabinoides justamente por
interagirem com as moléculas
presentes na maconha, ou Cannabis sativa. Não é que o organismo humano tenha sido
"projetado" para receber a droga: ocorre que o corpo produz
naturalmente substâncias que
se ligam aos receptores canabinoides, desempenhando papel
importante na regulação do
humor, no controle do apetite e
até nas defesas biológicas naturais de cada pessoa.
Rehen e seus colegas da
UFRJ, como a farmacologista
Marília Zaluar Passos Guimarães, que também assina o estudo, começaram o trabalho
apostando que moléculas capazes de interagir com o CB1 e o
CB2 poderiam facilitar a sobrevivência e a transformação das
células-tronco em neurônios.
"Mas vimos que, na verdade,
não se tratava de um efeito específico e associado à diferenciação [especialização] neuronal", conta Rehen. O que ocorre é que estimular os receptores promove a sobrevivência de
todas as células presentes nos
chamados corpos embrioides,
pelotas de células-tronco que
representam a primeira fase da
especialização celular delas
(veja quadro acima).
Os pesquisadores testaram
substâncias que estimulam
tanto o CB1 quanto o CB2. A
principal delas, embora tenha
estrutura química bem diferente da que caracteriza o
THC, princípio ativo responsável pelo "barato" da maconha,
produz na célula efeitos muito
semelhantes ao que ele opera.
Essa molécula levou à queda de
45% na morte das células-tronco, enquanto outra substância
testada, que age especificamente sobre o CB2, reduziu a
morte celular em 20%.
Mirando o futuro
"O próximo passo será explorar o potencial dos canabinoides como agentes capazes de
aumentar a sobrevivência de
células-tronco embrionárias
depois de transplantes", diz Rehen, cujo grupo inaugura nesta
segunda a unidade carioca do
Lance (Laboratório Nacional
de Células-Tronco Embrionárias), associado à Rede Nacional de Terapia Celular do Ministério da Saúde.
"O pré-tratamento das células-tronco poderá fortalecê-las
para que sobrevivam no campo
de batalha do organismo, de
modo que tenham condições de
sobreviver e se diferenciar no
tecido lesado e/ou inflamado",
afirma o biólogo. "Por conta da
exposição dos seres humanos
aos canabinoides ao longo de
milhares de anos, conhecemos
a maior parte de seus efeitos no
organismo, o que favoreceria
sua aplicação terapêutica
quando comparados a outros
fármacos", aposta o pesquisador da UFRJ.
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