São Paulo, sábado, 28 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aquecimento estimula guerras na África

Estudo sugere que incidência de conflito na região crescerá 54% em 2030, devido a escassez de comida

Saurabh Das - 31.mar.02/Associated Press
Homem observa crânios de vítimas do genocídio de Ruanda

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma nova desgraça foi acrescentada aos futuros malefícios do aquecimento global. Além de poder causar declínio na produção de alimentos e aumentar o nível do mar, a mudança no clima também vai incentivar mais guerra na África.
Baseado na história recente de conflitos e temperatura, um estudo feito por pesquisadores nos Estados Unidos indica que em 2030 a incidência de conflito na África ao sul do deserto do Saara será 54% maior, resultando em adicionais 393 mil mortes em combate.
"Nós certamente não alegamos que todas as guerras estão vinculadas ao clima, ou que o clima é a causa única de qualquer guerra. Tudo que dizemos é que, em média, as guerras civis na África historicamente têm muito mais probabilidade de ocorrerem em anos quentes, e que o aquecimento futuro poderá aumentar a probabilidade dessas guerras", disse à Folha o principal autor do estudo, Marshall Burke, da Universidade da Califórnia em Berkeley.
O artigo, publicado na última edição da revista científica "PNAS", baseou-se nos conflitos ocorridos entre 1981 e 2002 e que tenham causado cada um ao menos mil mortos em batalhas. Incluindo os desastres humanitários provocados pelas guerras, como os deslocamentos de refugiados, menos comida e mais doença, as mortes são contadas aos milhões.

Crise no campo
Mas como o calor ajudaria a causar guerras tão diferentes entre si como a luta entre tutsis e hutus em Ruanda ou a guerra civil no Sudão?
"Nós acreditamos que o mecanismo ligando clima e conflito seja a produtividade agrícola. A maioria dos estudos recentes sobre causas de conflito mostrou que o conflito está intimamente relacionado com crise econômica; na África, as economias estão diretamente ligadas à produtividade agrícola; e nós sabemos que a produtividade agrícola é muito sensível a mudanças na temperatura", argumenta Burke.
A equipe de cinco pesquisadores lembra no artigo que a agricultura responde por mais de 50% dos produtos internos brutos dos países africanos e é responsável por até 90% dos empregos em muitos deles. E para cada grau Celsius de aumento de temperatura, a produtividade de culturas básicas diminui entre 10% e 30%.
Eles notaram que, no período estudado, cada grau de aumento na temperatura correspondia a um aumento de 4,5% nos conflitos no mesmo ano.
"Declínios na produtividade agrícola induzidos pela temperatura devem estar associados com aumento de conflito. Isso é apoiado por evidências subjetivas em boa parte da África, como os conflitos no Mali, Níger e partes do Chifre da África a leste, mas, repito, não queremos atribuir nenhuma guerra em particular a apenas uma causa", continua o pesquisador.
Entre os cenários contemplados no estudo está um mais "otimista", que também inclui no modelo um crescimento econômico per capita de 2% e níveis de democratização semelhantes aos do período estudado. "Nós descobrimos que nenhum dos dois é capaz de superar os grandes efeitos do aumento de temperatura na incidência de guerra civil", escreveram os autores no artigo na "PNAS" (www.pnas.org).
"O último elemento em nossa defesa é que nós tentamos controlar cuidadosamente as características individuais de cada país -quão ricos ou pobres eles são, quão democráticos são- e, mesmo controlando essas variáveis, o forte sinal da temperatura permanece", afirma Burke.


Texto Anterior: Maconha sintética salva células-tronco
Próximo Texto: Poluição: Queimadas causam chuva ácida no AM
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.