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Micro/Macro
Em busca da ilha misteriosa
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Exploradores do passado sonhavam
com ilhas perdidas, cheias de segredos e promessas de grandes riquezas e
tesouros. Ou cheias de criaturas terríveis,
desde dinossauros e outros animais extintos até monstros criados por cientistas
que experimentavam com a genética humana e animal.
Mas as ilhas misteriosas dos físicos e
químicos nucleares, mesmo se igualmente fascinantes, são bem menos conhecidas. Ainda que elas tenham a grande vantagem de ser reais. Se, no caso dos
exploradores, as ilhas estão em alguma
parte do globo terrestre (e, hoje em dia,
do espaço sideral), no caso dos físicos e
químicos nucleares, as ilhas estão entre
os elementos químicos, os tijolos que
compõem a matéria da qual nós e tudo o
que existe no Universo somos feitos.
Vale lembrar que os elementos químicos que ocorrem naturalmente são diferenciados principalmente pelo número
de prótons que têm em seus núcleos: do
hidrogênio, o elemento mais abundante
no Universo, com um próton, ao urânio,
com 92. Elementos químicos mais pesados, ou seja, com mais prótons no núcleo, são artificialmente produzidos em
laboratório em colisões a altíssimas energias entre átomos mais leves, ou em explosões nucleares.
O problema é que esses átomos mais
pesados são altamente instáveis, desintegrando-se em outros mais leves e bem
conhecidos em segundos ou frações de
segundo. Essa instabilidade vem principalmente da repulsão elétrica entre os
prótons, todos positivamente carregados. Aliás, núcleos com mais de um próton só existem porque outra força atrativa, a força nuclear forte, os mantêm coesos. Essa força é aproximadamente cem
vezes mais forte do que a repulsão elétrica entre os prótons. Portanto, quando
um número grande de prótons (mais de
92, número presente no urânio) se concentra no núcleo, a força forte não dá
conta e ele se torna instável.
Mas será que existem núcleos que, apesar de superpesados, são também estáveis? Desde os anos 60, uma teoria da estrutura nuclear prevê que sim: núcleos
são feitos por camadas como uma cebola, onde um certo número máximo de
prótons e nêutrons pode ser distribuído
em cada camada, como torcedores nos
degraus de uma arquibancada.
Núcleos com camadas completas são
altamente estáveis. Por exemplo, o núcleo natural mais pesado e estável é o
chumbo, com 82 prótons e 126 nêutrons.
Esses números de prótons e nêutrons
que preenchem exatamente as camadas
são chamados de "números mágicos". A
grande ilha misteriosa dos cientistas nucleares é uma região de estabilidade prevista para núcleos com 184 nêutrons e
114, 120 ou 126 prótons, não se sabe ao
certo. Caso elementos superpesados estáveis sejam encontrados, as possibilidades são fantásticas. Novos materiais,
com propriedades químicas talvez totalmente novas e inesperadas, as criaturas
da ilha dos cientistas nucleares.
Portanto, a descoberta recente de dois
novos elementos químicos superpesados está sendo celebrada com muita fanfarra. Talvez eles sejam os primeiros recifes em torno da ilha prometida. À primeira vista, o alvoroço parece meio exagerado. Afinal, quem dá bola para dois
elementos químicos superpesados, um
com 113 prótons em seu núcleo e outro
com 115, quando se sabe que eles são altamente instáveis, existindo por pouquíssimo tempo antes de se desintegrar
em núcleos de átomos mais estáveis e já
conhecidos? Mais precisamente, o de 115
prótons, batizado temporariamente de
Ununpentio (ou Uup), decai em uma
fração de segundo e o de 113, chamado
Ununtrio (ou Uut), após 1,2 segundo.
A empolgação vem de dois fatos: primeiro, porque o último elemento químico produzido artificialmente foi descoberto em 1994, com 110 prótons, um hiato de 10 anos na busca pela ilha. Segundo,
porque os novos elementos estão bem
perto da prevista região de estabilidade.
Os dados, que ainda precisam ser confirmados por outros laboratórios, mas
são muito promissores, mostram uma
maior estabilidade do elemento Uut,
comparado com o Uup. Será que o elemento com 114 prótons, bem entre eles,
faz parte da ilha de estabilidade? Ou será
que a ilha fica ainda mais longe? De qualquer forma, parafraseando Fernando
Pessoa, sonhar é preciso, mas navegar
também é preciso. Principalmente se por
mares nunca dantes navegados.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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