São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Goethe, um brasileiro

Geógrafo revela em livro a paixão pelo Brasil do poeta alemão, que, influenciado por Humboldt, chegou a estudar a mandioca e as palmeiras do país

SILVIA BITTENCOURT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM HEIDELBERG

Já se sabia do enorme conhecimento do poeta alemão Johann Wolfgang Goethe (1749-1832) em vários campos das ciências naturais. Expoente do romantismo e um dos maiores nomes da literatura do país, Goethe dedicou muitos textos a temas como química, mineralogia, botânica e anatomia.
Agora, um livro recém-lançado na Alemanha revela o grande interesse de Goethe pela natureza do Brasil. O geógrafo Sylk Schneider pesquisou a biblioteca do escritor, na cidade de Weimar, e lá encontrou muitos livros sobre o país. Analisou as cartas que Goethe trocava com pesquisadores, assim como as anotações que fazia em diários sobre suas leituras e conversas sobre o Brasil. O resultado está em "Goethes Reise nach Brasilien -Gedankenreise eines Genies" ("A Viagem de Goethe ao Brasil -Viagem Intelectual de um Gênio").
Como já avisa o título, Goethe viajou para o Brasil apenas mentalmente, trocando ideias, em pessoa ou por escrito, com vários viajantes. Ele vivia em Weimar, onde trabalhava como ministro e poeta da corte.
A cidade era ponto de encontro de escritores e intelectuais europeus. Foi nos anos em Weimar (1775-1832) que Goethe, além da literatura, mais se dedicou às ciências naturais.
A visão que o escritor tinha do Brasil, inicialmente, era a de uma terra exótica. Schneider exemplifica com o poema "Todeslied eines Gefangenen (Brasilianisch)", escrito em 1782 e que não chegou a ser publicado. O texto é o cântico de morte de um prisioneiro pouco antes de ser devorado por canibais e o subtítulo ("brasileiro") é a única menção que faz ao Brasil.
A "segunda descoberta" do Brasil aconteceria no século 19, depois que o amigo e explorador Alexander von Humboldt (1769-1859) dedicou a Goethe a versão alemã de "Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente" (1807).
Primeiro, o poeta interessou-se pelas pedras preciosas. Foi nos anos 20, quando conheceu o alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855), um dos "pais" da geologia brasileira. Este havia acompanhado a corte portuguesa na sua mudança para o Brasil, com a tarefa de realizar a primeira exploração geológico-cartográfica de Minas Gerais.
Num encontro em janeiro de 1822, Goethe negociou com o geólogo a compra de diamantes brasileiros para o grão-duque Carlos Augusto (1757-1828), seu protetor e amigo. A intenção do soberano em ampliar sua coleção de história natural teria estimulado o poeta nos seus estudos sobre o Brasil.
Logo depois, Goethe passou a encomendar sementes brasileiras. Na época, já eram conhecidas suas pesquisas na área da botânica.
Dedicou-se ao estudo da mandioca, das palmeiras e de plantas medicinais, por exemplo. Chegou a escrever quatro manuscritos sobre os benefícios da raiz preta. Estes, porém, não foram publicados.
Vários nomes teriam estimulado Goethe em sua "viagem" ao Brasil: entre eles, o príncipe e explorador Maximiliam zu Wied-Neuwied (1782-1967), o naturalista austríaco Carl Franz Anton Ritter von Schreibers (1775-1852) e os botânicos Gottfried Daniel Nees von Esenbeck (1776-1858) e Carl von Martius (1794-1868).
A relação com Von Martius foi a mais frutífera. Autor de "Flora Brasiliensis"(1829), o botânico passara dez meses na Amazônia. Seus desenhos de palmeiras encantavam o poeta.
Em 1823, o interesse de Goethe pela natureza do Brasil foi reconhecido: duas espécies de malváceas receberam seu nome (a Goethea cauliflora e a Goethea semperflorens).
A alegria do escritor foi enorme. Goethe acabava de se recuperar de uma grave doença e mostrava-se desanimado. "A designação de uma planta tão bonita por seu nome ajudou-o a recuperar a vontade de viver", afirma Schneider.

Inverno tropical
Observando nos diários e nas cartas de Goethe os dias em que ele se ocupava com "coisas" do Brasil, o geógrafo mostra que isto acontecia principalmente durante os invernos, depois de sarar de doenças graves ou de sofrer decepções amorosas. As conversas e as leituras sobre o Brasil, conclui, pareciam ajudar o poeta nas épocas difíceis.
Fica clara a ânsia de Goethe de conhecer o Brasil. Num artigo de 1824, elogiou o país como "grandioso e livre".
Foi nos anos 20 do século 19 que Goethe mais se dedicou a temas do Brasil, ampliando suas coleções mineralógica e etnográfica (nesta encontra-se até uma rede brasileira).
Tornando-se um apaixonado e especialista (o jornalista alemão Ernst Feder escreveria, um século depois, sobre "Goethe, o brasileiro"), o poeta chegou a receber informações secretas de expedições ao Brasil e a instruir pesquisadores.
O livro de Schneider, porém, é um "projeto incompleto", diz o autor. Afinal, só foram editadas na Alemanha as cartas enviadas para Goethe até o ano de 1816, ou seja, antes de sua fase "brasileira" mais rica.
"As edições seguintes certamente vão trazer mais fontes."


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