|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Goethe, um brasileiro
Geógrafo revela em livro a paixão pelo Brasil
do poeta alemão, que, influenciado por Humboldt, chegou a estudar a mandioca e as palmeiras do país
SILVIA BITTENCOURT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM
HEIDELBERG
Já se sabia do enorme conhecimento do poeta
alemão Johann Wolfgang Goethe (1749-1832)
em vários campos das
ciências naturais. Expoente do
romantismo e um dos maiores
nomes da literatura do país,
Goethe dedicou muitos textos
a temas como química, mineralogia, botânica e anatomia.
Agora, um livro recém-lançado na Alemanha revela o grande interesse de Goethe pela natureza do Brasil. O geógrafo
Sylk Schneider pesquisou a biblioteca do escritor, na cidade
de Weimar, e lá encontrou
muitos livros sobre o país. Analisou as cartas que Goethe trocava com pesquisadores, assim
como as anotações que fazia
em diários sobre suas leituras e
conversas sobre o Brasil. O resultado está em "Goethes Reise
nach Brasilien -Gedankenreise eines Genies" ("A Viagem de
Goethe ao Brasil -Viagem Intelectual de um Gênio").
Como já avisa o título, Goethe viajou para o Brasil apenas
mentalmente, trocando ideias,
em pessoa ou por escrito, com
vários viajantes. Ele vivia em
Weimar, onde trabalhava como ministro e poeta da corte.
A cidade era ponto de encontro de escritores e intelectuais
europeus. Foi nos anos em
Weimar (1775-1832) que Goethe, além da literatura, mais se
dedicou às ciências naturais.
A visão que o escritor tinha
do Brasil, inicialmente, era a de
uma terra exótica. Schneider
exemplifica com o poema "Todeslied eines Gefangenen (Brasilianisch)", escrito em 1782 e
que não chegou a ser publicado. O texto é o cântico de morte
de um prisioneiro pouco antes
de ser devorado por canibais e
o subtítulo ("brasileiro") é a
única menção que faz ao Brasil.
A "segunda descoberta" do
Brasil aconteceria no século 19,
depois que o amigo e explorador Alexander von Humboldt
(1769-1859) dedicou a Goethe a
versão alemã de "Viagem às
Regiões Equinociais do Novo
Continente" (1807).
Primeiro, o poeta interessou-se pelas pedras preciosas.
Foi nos anos 20, quando conheceu o alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855),
um dos "pais" da geologia brasileira. Este havia acompanhado a corte portuguesa na sua
mudança para o Brasil, com a
tarefa de realizar a primeira exploração geológico-cartográfica de Minas Gerais.
Num encontro em janeiro de
1822, Goethe negociou com o
geólogo a compra de diamantes
brasileiros para o grão-duque
Carlos Augusto (1757-1828),
seu protetor e amigo. A intenção do soberano em ampliar
sua coleção de história natural
teria estimulado o poeta nos
seus estudos sobre o Brasil.
Logo depois, Goethe passou
a encomendar sementes brasileiras. Na época, já eram conhecidas suas pesquisas na
área da botânica.
Dedicou-se ao estudo da
mandioca, das palmeiras e de
plantas medicinais, por exemplo. Chegou a escrever quatro
manuscritos sobre os benefícios da raiz preta. Estes, porém,
não foram publicados.
Vários nomes teriam estimulado Goethe em sua "viagem"
ao Brasil: entre eles, o príncipe
e explorador Maximiliam zu
Wied-Neuwied (1782-1967), o
naturalista austríaco Carl
Franz Anton Ritter von Schreibers (1775-1852) e os botânicos
Gottfried Daniel Nees von
Esenbeck (1776-1858) e Carl
von Martius (1794-1868).
A relação com Von Martius
foi a mais frutífera. Autor de
"Flora Brasiliensis"(1829), o
botânico passara dez meses na
Amazônia. Seus desenhos de
palmeiras encantavam o poeta.
Em 1823, o interesse de Goethe pela natureza do Brasil foi
reconhecido: duas espécies de
malváceas receberam seu nome (a Goethea cauliflora e a
Goethea semperflorens).
A alegria do escritor foi enorme. Goethe acabava de se recuperar de uma grave doença e
mostrava-se desanimado. "A
designação de uma planta tão
bonita por seu nome ajudou-o
a recuperar a vontade de viver",
afirma Schneider.
Inverno tropical
Observando nos diários e nas
cartas de Goethe os dias em que
ele se ocupava com "coisas" do
Brasil, o geógrafo mostra que
isto acontecia principalmente
durante os invernos, depois de
sarar de doenças graves ou de
sofrer decepções amorosas. As
conversas e as leituras sobre o
Brasil, conclui, pareciam ajudar o poeta nas épocas difíceis.
Fica clara a ânsia de Goethe
de conhecer o Brasil. Num artigo de 1824, elogiou o país como
"grandioso e livre".
Foi nos anos 20 do século 19
que Goethe mais se dedicou a
temas do Brasil, ampliando
suas coleções mineralógica e
etnográfica (nesta encontra-se
até uma rede brasileira).
Tornando-se um apaixonado
e especialista (o jornalista alemão Ernst Feder escreveria,
um século depois, sobre "Goethe, o brasileiro"), o poeta chegou a receber informações secretas de expedições ao Brasil e
a instruir pesquisadores.
O livro de Schneider, porém,
é um "projeto incompleto", diz
o autor. Afinal, só foram editadas na Alemanha as cartas enviadas para Goethe até o ano de
1816, ou seja, antes de sua fase
"brasileira" mais rica.
"As edições seguintes certamente vão trazer mais fontes."
Texto Anterior: +Marcelo Gleiser: Misteriosos vazios cósmicos Próximo Texto: +Marcelo Leite: Toalha jogada Índice
|