São Paulo, sexta-feira, 29 de junho de 2007

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Craig Venter sai na frente na busca da vida sintética

Equipe do norte-americano consegue fazer transplante de genoma em bactéria

Comunidade científica, preocupada com o avanço sem controle da biologia artificial, quer discutir ética e riscos da nova área

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Ainda não é o domínio da vida sintética, o que deve ocorrer apenas nas próximas décadas. Mas o cientista-empresário Craig Venter e sua equipe acabam de dar mais um passo importante nesse sentido.
Um artigo publicado hoje na revista "Science" tem um contexto muito maior do que o simples fato em si.
O sucesso do transplante de um genoma entre duas espécies de bactéria do gênero Mycoplasma, se no curto prazo traz várias implicações científicas, no horizonte não muito distante abre espaço para discussões políticas e éticas.
"A biologia sintética é um campo de pesquisa emergente que combina nanotecnologia e biologia. Apesar das extraordinárias oportunidades que ela pode trazer, existem muitos riscos também. Nós precisamos trabalhar no sentido de controlar isso", disse à Folha o pesquisador Cees Dekker, da Universidade Delft de Tecnologia, que fica na Holanda.
O cientista é um dos mentores da Declaração de Ilulissat, escrita em meados do mês durante um congresso na homônima cidade da Groelândia, que foi assinado por dezenas de pesquisadores do mundo.
"Em 50 anos, a biologia sintética estará tão presente e será tão transformadora quanto é a eletrônica hoje. As decisões que nós tomarmos agora terão um impacto enorme no desenho desse futuro", diz o texto.
Para Dekker, é preciso, entre outras coisas, que fundos de financiamento sejam abertos com o intuito de promover pesquisas que olhem para os riscos e os aspectos éticos da biologia sintética. "Não podemos tolerar abusos ou acidentes a partir dessa tecnologia", afirma.
As preocupações filosóficas estão longe de ser prioridade para Venter. O homem que seqüenciou sozinho o genoma humano e tentou -sem sucesso- vendê-lo depois entrou no ano passado com pedido para registrar os direitos sobre o conjunto genético da Mycoplasma, bactéria que ele estuda já faz mais de uma década.
"Essa é uma área de pesquisa nova. Como desenvolvemos uma tecnologia que não havia antes, é normal pedirmos a patente por isso, assim como fazem grandes indústrias que sabem que no futuro algo terá implicações comerciais", disse Venter, anteontem, em uma teleconferência para jornalistas.
O cientista, hoje dono de um instituto de pesquisa nos Estados Unidos que leva o seu nome, não concorda que ele está tentando patentear a vida.
O pedido é sobre um conjunto de 381 genes da bactéria Mycoplasma. Esse é, na opinião dos pesquisadores do time de Venter, o tamanho mínimo de um genoma para que possa ser construído um organismo sintético a partir disso. O ser ainda não existe, mas já ganhou um apelido: "Synthia".
"Não estamos bloqueando o avanço científico. Os dados estão sendo publicados. Quem quiser poderá seguir os mesmos caminhos", disse Venter.
Enquanto isso, na bancada do laboratório, os desafios técnicos ainda estão longe de serem desprezíveis. Apesar de o transplante divulgado hoje ter realmente ocorrido, os pesquisadores não sabem, item por item, como essa inédita troca ocorreu em termos científicos.
Apesar disso, eles conseguiram provar, por meio de marcações genéticas, que a bactéria Mycoplasma capricolum realmente incorporou o genoma transplantado, que veio do Mycoplasma mycoides.
"Tecnicamente, é um grande feito. Pena que muitos controles [experimentais] foram perdidos", disse o geneticista microbiano Antoine Danchin, do Instituto Pasteur de Paris, à revista "Science".


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