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Craig Venter sai na frente na busca da vida sintética
Equipe do norte-americano consegue fazer transplante de genoma em bactéria
Comunidade científica,
preocupada com o avanço
sem controle da biologia
artificial, quer discutir
ética e riscos da nova área
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ainda não é o domínio da vida sintética, o que deve ocorrer
apenas nas próximas décadas.
Mas o cientista-empresário
Craig Venter e sua equipe acabam de dar mais um passo importante nesse sentido.
Um artigo publicado hoje na
revista "Science" tem um contexto muito maior do que o
simples fato em si.
O sucesso do transplante de
um genoma entre duas espécies de bactéria do gênero
Mycoplasma, se no curto prazo
traz várias implicações científicas, no horizonte não muito
distante abre espaço para discussões políticas e éticas.
"A biologia sintética é um
campo de pesquisa emergente
que combina nanotecnologia e
biologia. Apesar das extraordinárias oportunidades que ela
pode trazer, existem muitos
riscos também. Nós precisamos trabalhar no sentido de
controlar isso", disse à Folha o
pesquisador Cees Dekker, da
Universidade Delft de Tecnologia, que fica na Holanda.
O cientista é um dos mentores da Declaração de Ilulissat,
escrita em meados do mês durante um congresso na homônima cidade da Groelândia, que
foi assinado por dezenas de
pesquisadores do mundo.
"Em 50 anos, a biologia sintética estará tão presente e será
tão transformadora quanto é a
eletrônica hoje. As decisões
que nós tomarmos agora terão
um impacto enorme no desenho desse futuro", diz o texto.
Para Dekker, é preciso, entre
outras coisas, que fundos de financiamento sejam abertos
com o intuito de promover pesquisas que olhem para os riscos
e os aspectos éticos da biologia
sintética. "Não podemos tolerar abusos ou acidentes a partir
dessa tecnologia", afirma.
As preocupações filosóficas
estão longe de ser prioridade
para Venter. O homem que seqüenciou sozinho o genoma
humano e tentou -sem sucesso- vendê-lo depois entrou no
ano passado com pedido para
registrar os direitos sobre o
conjunto genético da Mycoplasma, bactéria que ele estuda
já faz mais de uma década.
"Essa é uma área de pesquisa
nova. Como desenvolvemos
uma tecnologia que não havia
antes, é normal pedirmos a patente por isso, assim como fazem grandes indústrias que sabem que no futuro algo terá implicações comerciais", disse
Venter, anteontem, em uma teleconferência para jornalistas.
O cientista, hoje dono de um
instituto de pesquisa nos Estados Unidos que leva o seu nome, não concorda que ele está
tentando patentear a vida.
O pedido é sobre um conjunto de 381 genes da bactéria
Mycoplasma. Esse é, na opinião
dos pesquisadores do time de
Venter, o tamanho mínimo de
um genoma para que possa ser
construído um organismo sintético a partir disso. O ser ainda
não existe, mas já ganhou um
apelido: "Synthia".
"Não estamos bloqueando o
avanço científico. Os dados estão sendo publicados. Quem
quiser poderá seguir os mesmos caminhos", disse Venter.
Enquanto isso, na bancada
do laboratório, os desafios técnicos ainda estão longe de serem desprezíveis. Apesar de o
transplante divulgado hoje ter
realmente ocorrido, os pesquisadores não sabem, item por
item, como essa inédita troca
ocorreu em termos científicos.
Apesar disso, eles conseguiram provar, por meio de marcações genéticas, que a bactéria
Mycoplasma capricolum realmente incorporou o genoma
transplantado, que veio do
Mycoplasma mycoides.
"Tecnicamente, é um grande
feito. Pena que muitos controles [experimentais] foram perdidos", disse o geneticista microbiano Antoine Danchin, do
Instituto Pasteur de Paris, à revista "Science".
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