São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2010

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Aquecimento solapa base da vida marinha

Pesquisa detecta queda de 40% nos últimos 60 anos no fitoplâncton, que produz metade do oxigênio da Terra

Algas microscópicas provavelmente somem por causa de águas mais quentes, resultado das mudanças climáticas


RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Os oceanos estão menos "verdes" -e isso é uma péssima notícia. Faz um século que a quantidade de algas microscópicas, o chamado fitoplâncton, tem caído cerca de 1% ao ano.
A conclusão veio da análise de exatas 445.237 medições, feitas entre 1899 e 2008 em mares de todo o planeta. O que os cientistas mediram é a presença do pigmento clorofila, que dá cor verde às microalgas -ou às folhas das árvores em terra firme.
O fitoplâncton é a base da cadeia alimentar marinha, servindo de comida para animais microscópicos, o zooplâncton, por sua vez devorado por animais maiores.
Os microrganismos "vegetais" constituem perto de metade da matéria orgânica do planeta e produzem 50% do oxigênio da Terra.
A diminuição estaria ligada ao aquecimento do planeta e ao aumento da temperatura dos oceanos, dizem os autores do estudo, liderado por Daniel Boyce, da Universidade Dalhousie, em Halifax (Canadá), A pesquisa está na edição de hoje da revista científica "Nature".
Um dos mais simples e mais antigos instrumentos oceanográficos está na origem de boa parte das medições. Trata-se do disco de Secchi, usado para medir a transparência da água.
É um simples disco branco de 20 cm de diâmetro, afundado até que não esteja mais visível. A profundidade medida dá indicação da clareza da água e serve para avaliar a abundância do fitoplâncton.

CIÊNCIA VATICANA
"O disco de Secchi é um excelente instrumento. Sua calibração não mudou em cem anos. Seu nome vem do padre Pietro Secchi, consultor científico da Marinha papal que o criou em 1865", disse à Folha outro dos pesquisadores, Marlon Lewis, também de Dalhousie.
Segundo os autores, as observações com o disco são comparáveis às medições diretas da clorofila, e mesmo às imagens feitas por satélite.
O declínio das microalgas tem sido mais forte nas regiões mais quentes, próximas ao Equador, e tem se intensificado nos últimos anos. O declínio foi de 40% desde 1950. Apesar de cair 1% ao ano nos últimos cem anos, a quantidade total do plâncton está longe de chegar a zero porque o 1% é calculado em cima do que sobra todo ano -mais ou menos como os juros compostos no banco.
"Tudo isso vai ter efeitos negativos nos estoques de peixe e na pesca. Não está claro que efeito poderá ter nos níveis de oxigênio. Pode ser pequeno, ninguém sabe", diz David Siegel, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. Ele é coautor de um comentário sobre a pesquisa publicado na mesma edição da "Nature".
Para Boris Worm, também da universidade canadense, "um oceano com menos fitoplâncton vai funcionar de maneira diferente".


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