São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2010

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ANÁLISE

Oceano pode se revelar ponto fraco na armadura de "Gaia"


RISCO PARA A VIDA MARINHA EM TERRA MAIS QUENTE PODE SER MULTIPLICADO POR FRAGILIDADES INERENTES QUE, DEPOIS, AFETARIAM RESTO DA BIOSFERA


REINALDO JOSÉ LOPES
DE SÃO PAULO

Quem já viu um recife de coral, de perto ou na TV, talvez estranhe esta afirmação: oceanos quentes não são paraísos, mas desertos.
A explicação, não muito cabeluda de entender, está no quadro acima. O que ocorre quando as águas da superfície estão muito quentes é que surge uma estratificação, ou seja, uma separação mais ou menos estanque entre líquido quente, no topo, e frio, nas profundezas.
Acontece que a maior parte dos nutrientes essenciais para que o fitoplâncton floresça se encontra nas águas frígidas do fundo. Se essa água não subir, o fitoplâncton -que também depende da luz do Sol e, portanto, precisa ficar perto da superfície- não consegue crescer.

GAIA AFOGADA
Não por acaso, a estratificação é uma das principais preocupações do cientista britânico James Lovelock, criador da atacada hipótese Gaia -a ideia de que a Terra funciona como um superorganismo vivo. Com ou sem Gaia, o diagnóstico de Lovelock é difícil de refutar: solapar o fitoplâncton é bagunçar a biosfera.
O novo estudo na "Nature", por sinal, viu uma correlação clara entre regiões com elevada temperatura superficial da água e queda no fitoplâncton. Para os pesquisadores, é um indício de que o aquecimento global está por trás do declínio das "plantas" microscópicas.
Se os dados estiverem corretos, aumenta a sombra do feedback positivo -ou seja, de um fenômeno que alimenta a si mesmo conforme cresce, como uma bola de neve- sobre o clima da Terra.
Isso porque o fitoplâncton é o principal responsável por absorver gás carbônico, mais importante dos gases-estufa. Resultado: mais aquecimento, impedindo ainda mais a reprodução do plâncton, o que desembocaria num clima ainda mais quente.
Não pense que os recifes de coral, que se aproveitam dos nutrientes oriundos dos continentes, conseguiriam se virar. Tanto eles quanto o fitoplâncton do mar aberto dependem, em larga medida, de "esqueletos" construídos com carbonato de cálcio.
No entanto, oceanos com mais gás carbônico têm água mais ácida -um ambiente nada favorável à formação das carapaças de carbonato. Os efeitos dessa acidez aumentada sobre a vida marinha já estão sendo notados.
Por todos esses motivos, o novo estudo envolve mais do que a preocupação com o atum do sushi, que está no topo da cadeia alimentar e depende do fitoplâncton.


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