São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Dólar alto e crescimento das despesas fazem diretoria elevar exigências para aprovação de projetos

Fapesp vai restringir verba para pesquisa

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O tempo de expansão acelerada da comunidade científica paulista acabou. Apanhada pela alta do dólar após grandes investimentos ao longo dos últimos anos, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) chegou ao limite orçamentário e vai começar a restringir o financiamento à pesquisa.
"Não vai mais poder ser praticada a mesma política expansionista dos últimos dez anos", disse à Folha o diretor científico da Fapesp, José Fernando Perez.
Segundo Perez, o nível de exigência na aprovação de financiamento a projetos vai subir. "Nós estávamos atendendo 100% da demanda qualificada. No momento, você vai ter de trabalhar com uma demanda que eu chamo de especialmente qualificada."
Ele também admite a redução no escopo de alguns projetos, como o proteoma (o estudo das interações entre as proteínas de um organismo), e a importação de equipamentos para uso compartilhado. "Vai haver uma nova racionalidade, que é necessária quando você chega a uma situação que não podia prever."
Perez, que é físico, compara a situação da Fapesp com a de agências financiadoras dos Estados Unidos, como os NIH (Institutos Nacionais de Saúde) e a NSF (Fundação Nacional de Ciência). "Essas agências atendem a 30% da demanda qualificada", afirma.
Desde o ano passado, o órgão tem adotado restrições à concessão de bolsas, especialmente de mestrado. Para ser aprovado, um pedido precisa de parecer "enfaticamente favorável" do assessor contratado para analisá-lo.
Setores da comunidade estão preocupados. Cinco pesquisadores ouvidos pela Folha, que não quiseram ter seus nomes citados, dizem temer pela manutenção da qualidade científica das pesquisas financiadas pela Fapesp. Um deles, da USP, questiona quais serão os critérios de seleção de projetos.
Perez assegura que toda a demanda de excelência vai continuar sendo atendida. Mas o pesquisador, que não quis ser identificado, disse que teve negada pela Fapesp verba que, até agora, vinha sendo aprovada, num projeto reconhecido como sendo se excelência. Ele diz que todas as suas recusas foram burocráticas.

Importações suspensas
As medidas restritivas foram catalisadas pela desvalorização do real, que se acentuou no começo do semestre. Em setembro, a Fapesp divulgou uma circular na qual, em virtude da crise no câmbio, anunciava a suspensão de todas as importações de bens e serviços -como compra de equipamentos, reagentes para experimentos e livros. Essas importações correspondem a um terço dos gastos da fundação.
Os pesquisadores reagiram, e a fundação decidiu analisar caso a caso os pedidos de importação. Uma das reações foi uma carta assinada por 370 cientistas pedindo à Fapesp que flexibilizasse a decisão. Insumos essenciais para experimentos, como reagentes perecíveis sem os quais experimentos já em andamento seriam perdidos, terão compra autorizada.
Mesmo assim, a crise das importações disparou um descontentamento crescente de setores da comunidade com a diretoria da fundação. Aponta-se falta de transparência nas decisões da Fapesp e um alijamento da diretoria em relação à comunidade.
Os pesquisadores ouvidos pela Folha queixam-se de que a Fapesp tenha ficado impessoal com o gigantismo. Reclamam também que não há controle da comunidade sobre as políticas da fundação, a ponto de se cogitar a criação de uma ouvidoria.
"O Conselho Superior tem membros permanentes, o que eu acho um erro", disse o geneticista Crodowaldo Pavan, do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) da USP, ex-presidente da Fapesp.
Perez, que está a caminho do quarto mandado consecutivo como diretor científico, diz que as críticas são "pontuais". O diálogo com a comunidade, segundo ele, é feito por meio de reuniões com líderes de projetos e pela presença semanal de 70 cientistas -os chamados coordenadores de área- na diretoria científica.
"Acho que alijar não é um bom termo. Quando eu cheguei aqui, em 1993, tínhamos 4.500 processos por ano. Hoje temos 15 mil. Isso não permite mais tratamento personalizado", afirma o diretor científico. Sobre a ouvidoria, ele prefere não se manifestar: "Isso é um assunto que diz respeito ao Conselho [Superior]".



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