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BIOÉTICA
Cientistas e inimigos da vivissecção tentam influenciar projetos no Congresso que atualizam normas para experimentos
Câmara discute experiências com animais
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Há poucas determinações legais
sobre o uso de animais em experimentos no Brasil, mas isso pode
mudar até o fim deste ano. Projetos de lei que procuram regulamentar essas experiências já estão
na CCJR (Comissão de Constituição e Justiça e de Redação) da Câmara dos Deputados. Cientistas
se dizem favoráveis à regulamentação, mas afirmam que a pesquisa não pode ser engessada por ela.
As propostas pretendem preencher um vazio de décadas. Até hoje, a legislação se limitou a determinar que a vivissecção (operação em animais vivos) para fins
didáticos ou científicos fosse realizada apenas com anestesia e em
estabelecimentos de ensino superior (lei 6.638, de 1979) e a considerar como crime "experiência
dolorosa ou cruel [...] quando
existirem recursos alternativos"
(lei 9.605, de 1998).
É muito pouco para dar conta
dos avanços da biotecnologia nos
últimos anos e da importância
desse tipo de experiência, afirmam cientistas. "Com questões
como os animais transgênicos e a
biossegurança, essas leis são obsoletas", diz Silvia Barreto Ortiz,
41, pesquisadora da Faculdade de
Medicina da USP e presidente do
Cobea (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal). "É preciso que a legislação ampare as instituições e a pesquisa."
As propostas que estão na CCJR
são do deputado Sérgio Arouca
(PPS-RJ, morto em agosto deste
ano), cuja versão original chegou
à Câmara ainda em 1995, e da deputada Iara Bernardi (PT-SP),
apresentada em agosto deste ano
(veja quadro abaixo). "Acho que
os projetos não devem ficar parados. O relator, deputado Sérgio
Miranda [PC do B-MG], tem todas as condições de ouvir as partes interessadas e de dar seu parecer até o final do ano", declara
Bernardi, 51.
O projeto original da deputada
petista também deve passar por
modificações, já que foi considerado excessivamente restritivo
por membros da comunidade
científica. Bernardi se diz aberta a
modificações em alguns pontos,
como a definição abrangente demais dos seres vivos protegidos
pela legislação (no projeto original, estão incluídos até animais
invertebrados, como insetos).
Modelos de doenças
Só nos Estados Unidos, cerca de
18 milhões de animais são utilizados por ano em pesquisas (são raros os dados confiáveis para o que
é feito no Brasil). O grosso dessas
cobaias (entre 80% e 90%) corresponde a camundongos, ratos e
roedores, embora porcos, cães,
gatos e primatas, além de aves e
outros vertebrados, também sejam utilizados.
Para os cientistas, experimentos
em animais vivos são fundamentais porque boa parte das funções
de seus organismos e das doenças
que podem desregulá-las espelham o que acontece em seres humanos, embora haja diferenças
importantes entre as espécies.
"As pessoas têm de ser coerentes. Se elas querem a proibição total de experimentos animais, então não devem nunca mais tomar
uma aspirina ou se vacinar contra
a poliomielite", diz Silvia Ortiz.
Para o ambientalista Marco
Ciampi, 48, da ONG Arca Brasil,
os cientistas tendem a superestimar a aplicação dos resultados
obtidos com os animais em seres
humanos. "Os padrões estabelecidos para validar os resultados de
métodos alternativos são muito
mais altos que os que valem para
os experimentos com animais vivos", critica Ciampi.
Para ele, embora seja irrealista
exigir a eliminação desse tipo de
experiência, é preciso perseguir o
objetivo dos "três Rs", comum a
diversas organizações internacionais de proteção aos animais. As
letras corresponderiam a reposição (trocar os animais por testes
com células in vitro, por exemplo), refinamento (melhoria das
condições ambientais nos biotérios) e redução (uso do menor número possível de animais).
Nesse ponto, há elementos comuns entre as reivindicações de
ambientalistas e cientistas.
"Quanto melhor a legislação brasileira a balizar os experimentos,
menor será o número de pesquisadores mal-informados e menor
o número de animais utilizados",
afirma Ortiz. A pesquisadora concorda com o incentivo aos métodos alternativos que aparece em
ambos os projetos, mas afirma
que a decisão deve ficar a cargo de
especialistas capazes de avaliar
quando eles são eficazes.
A proposta de Arouca contempla a criação do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), que supervisionaria os conselhos de ética de cada instituição. "Acho que
é importante verificar se esses
conselhos estão atuando de forma
efetiva", afirma Iara Bernardi.
Por enquanto, os pontos mais
duvidosos são os que tratam dos
testes feitos pela indústria farmacêutica e de alimentos (Bernardi
sugere sua proibição), a restrição
ou banimento das experiências
com espécies em extinção e a chamada excusa de consciência. Por
meio dela, pesquisadores ou estudantes poderiam alegar razões íntimas para não participar desse tipo de experimento.
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