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A política do design
Coordenador de núcleo brasileiro de design inteligente
aponta "improbidades científicas" em livro didático de biologia
DA REDAÇÃO
0 design inteligente, ferramenta do criacionismo, é
um "movimento filosófico
e de ação política" que tem
como objetivo influenciar o conteúdo dos livros didáticos em relação às
"falhas" e "omissões" cometidas por
eles ao ensinar aos estudantes a teoria da evolução pela seleção natural,
que sofreria de uma "total insuficiência epistêmica".
As aspas são de Enézio E. de Almeida Filho, um professor do ensino
médio que coordena o Núcleo Brasileiro de Design Inteligente. Classificando a teoria de Darwin como "zona de incerteza científica", Almeida
Filho fez uma conferência durante o
encontro criacionista atacando os livros didáticos de biologia do Brasil.
Segundo ele, a abordagem da evolução nos livros não cumpre os pré-requisitos do Ministério da Educação
de despertar a consciência crítica
nos estudantes do segundo grau.
"Nós não temos exatidão no conhecimento que é passado e não
existe objetividade porque existe,
sim, uma defesa de uma ideologia.
[Isso] é negado, mas é uma ideologia
materialista e atéia."
O professor insistiu em classificar
os ataques da tese do planejamento
inteligente à evolução de Darwin como "um debate entre ciência e ciência". Não explicou por que razão
além de "preconceito" do establishment científico o argumento do design tem sistematicamente falhado
em cumprir o preceito básico da investigação científica: a validação pelos pares, em forma de publicação
em periódicos especializados.
Até hoje, nenhum artigo científico
criacionista ou de design inteligente
foi aceito para publicação em periódicos de alto impacto e que possuem
o sistema de validação pelos pares
(conhecido em inglês como "peer
review"), como o norte-americano
"Science" (www.sciencemag.org) e
o britânico "Nature" (www.nature.com). O único caso em que isso
aconteceu foi na revista "Proceedings of the Biological Society of
Washington", que acolheu um trabalho sobre design inteligente em
agosto passado.
O editor do periódico na época em
que o artigo foi aceito pertencia a
uma sociedade defensora de idéias
criacionistas. E a Sociedade Biológica de Washington, que publica a revista, admitiu que o artigo não era
apropriado e foi ao prelo sem conhecimento do seu conselho editorial.
Em sua conferência, Almeida Filho se dedicou a atacar as "improbidades científicas" do livro de segundo grau "Fundamentos da Biologia
Moderna", de José Mariano Amabis
e Gilberto Rodrigues Martho.
Sua principal reclamação é que os
autores aceitam sem questionamentos as evidências em favor da teoria
darwinista -cujas fraquezas, diz,
são freqüentemente discutidas na literatura científica especializada.
Goela abaixo
Um exemplo de suposta "fraqueza" da teoria da evolução que os livros didáticos empurrariam goela
abaixo dos estudantes é a chamada
explosão cambriana, ocorrida há
cerca de 570 milhões de anos, na
qual todos os filos existentes de animais já aparecem formados. O mistério para os paleontólogos é como
isso aconteceu num intervalo tão
curto do tempo geológico, já que os
primeiros seres multicelulares do
planeta haviam surgido menos de
100 milhões de anos antes -e antes
disso, ao que tudo indica, apenas seres unicelulares dominaram o planeta por mais de 2 bilhões de anos.
"Esse aí é o calcanhar-de-aquiles
da teoria da evolução, quando ela
deixa de lidar nos livros didáticos a
respeito da explosão cambriana e o
que isso representa para a suficiência científica da teoria", disse Almeida Filho, sustentando que os avanços da paleontogia estão fazendo os
darwinistas duvidarem do darwinismo em suas bases fundamentais.
Não é isso o que dizem os paleontólogos. A explosão cambriana é
sem dúvida um dos tópicos mais
quentes da biologia evolutiva e tem
causado arranca-rabos monumentais entre os cientistas. Mas nenhum
deles jamais pôs a evolução em
questão. "O que nós discutimos de
maneira ética os criacionistas manipulam", diz o paleobiólogo Reinaldo
José Bertini, da Unesp de Rio Claro.
A explosão cambriana, explica
Bertini, foi um aumento em dez vezes no número de espécies animais
conhecidas num intervalo pequeno
de tempo geológico. Mas há hipóteses para explicá-la. Na época, a Terra
acabava de sair de uma glaciação
que cobriu a maior parte do planeta.
O fim da era do gelo liberou boa parte dos ambientes para os animais,
que se diferenciaram para explorar
os novos nichos ecológicos. O debate está longe de ser resolvido, mas,
na academia, não envolve a invalidação do evolucionismo.
Outro exemplo de "improbidade"
apontado no livro de Amabis e Martho é a ilustração da famosa série de
embriões de vertebrados desenhada
em 1874 pelo alemão Ernst Haeckel
para ilustrar o princípio da recapitulação. Essa idéia, segundo a qual durante o desenvolvimento (ontogenia) os animais mostram traços de
um ancestral comum ("recapitulam
a filogenia", no dizer dos biólogos),
foi usada por Darwin como confirmação de sua teoria -e até hoje não
foi provada falsa.
Acontece que Haeckel, ao desenhar vários embriões de vertebrados
extremamente parecidos como
exemplo de recapitulação, cometeu
uma série de distorções. Uma delas,
admitida por ele mesmo na época,
foi fazer um embrião de cachorro
passar por embrião humano.
A fraude de Haeckel foi redescoberta por um grupo de pesquisadores britânicos em 1997. Em um estudo na revista "Anatomy and Embryology", eles mostraram que, na verdade, os embriões eram bem menos
semelhantes entre si do que faziam
supor os desenhos do alemão.
Almeida Filho citou uma reportagem publicada em 1997 na revista
"Science" comentando a fraude para
desqualificar Haeckel e Darwin -e,
no balaio, todo o princípio da recapitulação. "Olha o aspecto ideológico", comentou. "As distorções levaram Darwin e Haeckel à crença de
que os vertebrados recapitulam a filogenia durante a ontogenia. Mas os
cientistas já estão carecas de saber
que isso não é verdade."
Evidência suprimida
O argumento seria forte, se sobrevivesse ao escrutínio. Na mesma revista "Science", alguns meses depois, os autores do estudo original
escrevem: "Nosso trabalho tem sido
usado num debate televisivo nacional para atacar a teoria da evolução e
sugerir que a evolução não pode explicar a embriologia. Nós discordamos fortemente. Os dados embriológicos são totalmente consistentes
com a evolução darwinista".
Em uma carta à mesma publicação, o autor principal, Michael Richardson, lamenta: "Estou preocupado em descobrir que posso ter
ajudado a criar um mito criacionista". Os adeptos do design não citam
nem artigo, nem carta, fazendo exatamente o que criticam nos biólogos
evolucionistas: suprimir evidências.
Mais tarde, questionado por alguém na platéia sobre as evidências
da evolução trazidas pela biologia
molecular, o coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente
afirmou que, na verdade, essa disciplina traz "evidências desfavoráveis
àquilo que é preconizado como sendo fato da evolução". Mas admitiu:
"Não tenho, no momento, uma literatura que eu poderia indicar".
(CA)
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