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Assalto ao coração da biologia
O criacionismo e o design inteligente não têm o status de ciência
JOSÉ MARIANO AMABIS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A edição de 25 de janeiro da
revista inglesa "New Scientist" veicula uma notícia intitulada "Vitória da evolução na justiça". Ela se refere à proibição judicial de o governo do condado de Cobb, no Estado da Geórgia
(EUA), obrigar os livros de biologia
a trazer uma tarja com os dizeres:
"Evolução é uma teoria, não um fato". A medida foi considerada pela
corte como propaganda religiosa, o
que é ilegal em escolas que recebem
financiamento público.
Esse é apenas um exemplo das
contínuas tentativas realizadas por
alguns grupos religiosos para solapar o ensino da evolução nas escolas
americanas. No Brasil, o movimento
criacionista e sua corrente-irmã, o
design inteligente, apoiados por políticos oportunistas locais, arvoram-se em incluir suas idéias no currículo
escolar de ciências biológicas, em
detrimento do ensino da evolução.
Considerar as idéias criacionistas e
do chamado design inteligente como teorias científicas e colocá-las
em pé de igualdade com o evolucionismo é deturpar o significado dos
termos "teoria" e "ciência". No contexto científico, teoria refere-se a
uma explicação abrangente e bem
consolidada de algum aspecto do
mundo natural, que pode incorporar fatos, leis, inferências e hipóteses
passíveis de teste. Ciência, por sua
vez, pode ser definida como um processo que tenta encontrar explicações para os fenômenos naturais por
meio de inferências lógicas baseadas
em observações empíricas.
O criacionismo e o design inteligente não têm status de ciência, pois
não geram hipóteses que possam ser
testadas e não se pautam por inferências lógicas com base em observações empíricas do mundo natural.
O criacionismo se baseia em dogmas
relatados no livro do Gênesis. O chamado design inteligente se preocupa
em encontrar falhas nos testes das
hipóteses geradas com base nos
princípios darwinistas, sem apresentar teorias próprias ou hipóteses
que possam ser submetidas a testes
científicos.
Sua principal plataforma é que a
ciência ainda não tem explicações
definitivas para a origem da vida e
para uma reconstituição minuciosa,
passo a passo, de como, a partir de
organismos simples, surgiram formas mais complexas de vida. Para os
defensores da idéia de design inteligente, o que é ainda um mistério hoje continuará misterioso para sempre e melhor do que procurar explicações com base no método científico é invocar forças sobrenaturais.
O evolucionismo, por outro lado,
parte do princípio de que não há
verdades inquestionáveis e que sempre existe a possibilidade de uma explicação considerada verdadeira estar errada. As idéias atualmente
aceitas pela ciência são aquelas que,
depois de testadas exaustivamente,
não foram refutadas. Mesmo assim,
as explicações científicas nunca são
consideradas verdades absolutas;
elas são aceitas enquanto não existirem motivos para se duvidar de sua
veracidade, isto é, enquanto não forem refutadas pelos testes.
A teoria da evolução biológica vem
resistindo a todos os testes a que tem
sido submetida, sendo a única explicação racional e coerente para o conjunto de fatos sobre a vida em nosso
planeta. O evolucionismo é o tema
unificador de todos os campos das
Ciências Biológicas: como disse o célebre geneticista Theodosius Dobzhansky (1900-1975), "nada faz sentido em biologia a não ser sob a luz
da evolução".
José Mariano Amabis é professor do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências USP e autor de livros didáticos
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