São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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Assalto ao coração da biologia

O criacionismo e o design inteligente não têm o status de ciência

JOSÉ MARIANO AMABIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A edição de 25 de janeiro da revista inglesa "New Scientist" veicula uma notícia intitulada "Vitória da evolução na justiça". Ela se refere à proibição judicial de o governo do condado de Cobb, no Estado da Geórgia (EUA), obrigar os livros de biologia a trazer uma tarja com os dizeres: "Evolução é uma teoria, não um fato". A medida foi considerada pela corte como propaganda religiosa, o que é ilegal em escolas que recebem financiamento público.
Esse é apenas um exemplo das contínuas tentativas realizadas por alguns grupos religiosos para solapar o ensino da evolução nas escolas americanas. No Brasil, o movimento criacionista e sua corrente-irmã, o design inteligente, apoiados por políticos oportunistas locais, arvoram-se em incluir suas idéias no currículo escolar de ciências biológicas, em detrimento do ensino da evolução.
Considerar as idéias criacionistas e do chamado design inteligente como teorias científicas e colocá-las em pé de igualdade com o evolucionismo é deturpar o significado dos termos "teoria" e "ciência". No contexto científico, teoria refere-se a uma explicação abrangente e bem consolidada de algum aspecto do mundo natural, que pode incorporar fatos, leis, inferências e hipóteses passíveis de teste. Ciência, por sua vez, pode ser definida como um processo que tenta encontrar explicações para os fenômenos naturais por meio de inferências lógicas baseadas em observações empíricas.
O criacionismo e o design inteligente não têm status de ciência, pois não geram hipóteses que possam ser testadas e não se pautam por inferências lógicas com base em observações empíricas do mundo natural. O criacionismo se baseia em dogmas relatados no livro do Gênesis. O chamado design inteligente se preocupa em encontrar falhas nos testes das hipóteses geradas com base nos princípios darwinistas, sem apresentar teorias próprias ou hipóteses que possam ser submetidas a testes científicos.
Sua principal plataforma é que a ciência ainda não tem explicações definitivas para a origem da vida e para uma reconstituição minuciosa, passo a passo, de como, a partir de organismos simples, surgiram formas mais complexas de vida. Para os defensores da idéia de design inteligente, o que é ainda um mistério hoje continuará misterioso para sempre e melhor do que procurar explicações com base no método científico é invocar forças sobrenaturais.
O evolucionismo, por outro lado, parte do princípio de que não há verdades inquestionáveis e que sempre existe a possibilidade de uma explicação considerada verdadeira estar errada. As idéias atualmente aceitas pela ciência são aquelas que, depois de testadas exaustivamente, não foram refutadas. Mesmo assim, as explicações científicas nunca são consideradas verdades absolutas; elas são aceitas enquanto não existirem motivos para se duvidar de sua veracidade, isto é, enquanto não forem refutadas pelos testes.
A teoria da evolução biológica vem resistindo a todos os testes a que tem sido submetida, sendo a única explicação racional e coerente para o conjunto de fatos sobre a vida em nosso planeta. O evolucionismo é o tema unificador de todos os campos das Ciências Biológicas: como disse o célebre geneticista Theodosius Dobzhansky (1900-1975), "nada faz sentido em biologia a não ser sob a luz da evolução".


José Mariano Amabis é professor do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências USP e autor de livros didáticos


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