São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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ARQUEOLOGIA

Achado em MT pode recuar data de chegada do homem à América

Abrigo revela ossos de 25 mil anos

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Datações preliminares que acabam de ser realizadas em ornamentos feitos de ossos de um animal pré-histórico encontrados num abrigo em Mato Grosso podem ajudar a estabelecer, de maneira irrefutável, que os primeiros seres humanos chegaram à América há mais de 25 mil anos.
Essa data é duas vezes mais antiga do que a aceita atualmente - os mais remotos indícios bem comprovados da presença humana em terras americanas estão no sítio arqueológico de Monte Verde, sul no Chile, e têm 12.500 anos.
Sítios arqueológicos muito antigos no continente americano -onde, até uma década atrás, acreditava-se que o homem tivesse chegado havia 12 mil anos, não mais- são sempre recebidos com desconfiança pelos arqueólogos, ainda mais quando se trata de descobertas na América do Sul.
A polêmica mais famosa é a da fogueira de 48 mil anos descoberta pela arqueóloga Niède Guidon no Boqueirão da Pedra Furada, no Piauí. Os críticos de Guidon, cuja descoberta poderia virar do avesso a história da ocupação do continente, dizem que o carvão datado pela pesquisadora foi resultado de combustão espontânea, não de uma fogueira feita por homens pré-históricos.
O arqueólogo americano Tom Dillehay, da Universidade do Kentucky, que escavou Monte Verde e derrubou o mito da ocupação recente, também descobriu ali artefatos de 33 mil anos que parecem ter sido produzidos por seres humanos. As datas, no entanto, foram descartadas pelo próprio Dillehay, que viu problemas em explicar ocupação tão antiga.

Prova e contraprova
Os pingentes de osso achados no sítio de Santa Elina, em Mato Grosso, prometem alterar esse julgamento. Eles foram datados por três técnicas distintas e, nos três casos, demonstram ter em torno de 25 mil anos.
Também foram datados restos de carvão e de argila na mesma camada de solo em que estavam os artefatos: todos eles possuem a mesma idade.
"A nossa descoberta é mais difícil de refutar porque se baseia em três métodos diferentes e as marcas nos utensílios e adornos deixam claro que foram trabalhadas pela mão humana", diz a arqueóloga Águeda Vilhena Vialou, da Universidade de São Paulo. Ela coordena a pesquisa, juntamente com seu marido, o francês Denis Vialou, Museu Nacional de História Natural, em Paris.
O casal trabalha naquela região há cerca de 20 anos. Lá, em 1999, eles desenterraram dois ossos da coluna vertebral de uma preguiça-gigante, espécie extinta no continente, dos quais teriam sido feitos as peças datadas agora.
Esses ossos, chamados osteodermes, têm cerca de 1 cm de comprimento e se espalhavam aos milhares sob a pele do animal. Os Vialou contam que eles foram trabalhados para se parecer com contas de colar, mas ainda não há certeza sobre a forma exata dos enfeites devido aos desgastes provocados pelo tempo.
No sítio também há uma quantidade razoável de artefatos de pedra. A arqueóloga brasileira afirma que o grupo está em busca de mais restos da preguiça-gigante, que confirmem que o animal foi abatido por seres humanos.
Ela afirma ainda que os resultados da pesquisa deverão ser publicados em alguns meses, numa grande revista científica. "Estamos, neste momento, preparando nossa argumentação, pois sempre haverá críticas, a maioria de gente provavelmente desconhecedora da região e da cultura material dos povos que a habitaram no passado". (FD e ACM)

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