São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2006

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RUMO AO ESPAÇO

Dentro da cabine da Soyuz, astronauta exibe bandeira do Brasil

Após uma decolagem perfeita, brasileiro segue para as estrelas

Tuca Vieira/Folha Imagem
Foguete Soyuz levando astronauta brasileiro inicia sua subida a partir de base no Cazaquistão


SALVADOR NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL A BAIKONUR

Um brasileiro atingiu o espaço.
Pode-se até escolher a data histórica: 29 de março pelo horário de Brasília, 30 de março pelo de Baikonur. Mas o fato é que o tenente-coronel Marcos Cesar Pontes já está postado de numa órbita baixa ao redor da Terra, a bordo da nave Soyuz TMA-8.
Junto com seus colegas de tripulação, o russo Pavel Vinogradov e o americano Jeffrey Williams, Pontes já iniciou a caçada à Estação Espacial Internacional, procedimento que leva cerca de dois dias -ou 34 órbitas completas (cada volta dura em média aproximadamente 90 minutos).
O foguete Soyuz-FG que colocou a nave em órbita, um monstrengo de 39 metros e cerca de 200 toneladas de combustível (querosene e oxigênio líquido), decolou ontem exatamente conforme as previsões, da mesma plataforma em que, quase 45 anos atrás, subia Yuri Gagarin, primeiro ser humano a ir ao espaço. A subida se deu às 8h30min18s, pelo horário do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. Em Brasília, por conta do fuso horário, ainda eram 23h30 do dia anterior.
Nove minutos após o lançamento, veio a confirmação de que a nave havia entrado em órbita, e o controle da missão foi transferido de Baikonur para o centro de Korolev (pronuncia-se "Karalióv"), nos arredores de Moscou.
Ainda durante a subida, pela câmera instalada na cabine da Soyuz, Pontes exibiu a bandeira brasileira em seu traje.

Lula
Surpreendentemente, não houve muitas autoridades de alto escalão do governo brasileiro presentes ao evento. A mais notória foi a do presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), Sérgio Gaudenzi. Foi ele o "mentor" da solução de contratar o vôo com os russos para evitar que o astronauta brasileiro terminasse seus dias sem ir ao espaço -fato que era muito provável, caso a única opção fosse uma carona nos ônibus espaciais americanos, colocados em marcha lenta desde o acidente com o Columbia, em 2003.
O custo da missão ao governo brasileiro foi de cerca de US$ 10,5 milhões, além de gastos com o seguro de vida de Pontes e um seguro que garantisse o pagamento de quaisquer danos que o brasileiro pudesse provocar à estação.
O seguro de vida é de R$ 2,5 milhões, e foi oferecido pela Banco do Brasil Seguros gratuitamente à AEB. Em troca, Pontes será garoto-propaganda da seguradora quando voltar à Terra.
Luiz Inácio Lula da Silva acompanhou a decolagem da casa do embaixador chinês em Brasília. "Essa é uma viagem que eu gostaria de fazer", disse o presidente.
Segundo Gaudenzi, o futuro do programa espacial tripulado brasileiro ainda é incerto. "Há contestações de vários países sobre esse projeto da ISS, então neste momento nós vamos esperar um pouco", disse o presidente da AEB. "Se o projeto continuar, devemos abrir novos processos de seleção para astronautas."

Pioneiro na cena
Se faltaram autoridades brasileiras, celebridades do mundo astronáutico apareceram em Baikonur para acompanhar o lançamento. O mais famoso delas é Alexei Leonov, russo responsável pela primeira caminhada espacial da história, em 1965.
Ele não esconde sua simpatia pelo Brasil. "Já nadei muitas vezes em Copacabana, [os brasileiros] são pessoas muito boas. Pontes é um piloto muito bom", destacou.
A decolagem seguiu o longo ritual russo. Após uma entrevista coletiva à tarde, a tripulação assistiu ao filme "Sol Branco do Deserto", uma obra dos anos 1970 que mostra a consolidação do poder soviético na Ásia. Ele tem sido exibido desde aquela época.
Depois disso, Pontes pôde dormir um pouco. Após o café da manhã, os tripulantes colocaram seus trajes espaciais Sokol e se apresentaram ao comandante da base. Então, deu seu último adeus, antes de embarcar.
A ocasião do lançamento poderia ter perturbado os mais supersticiosos. A tarde do dia 29 foi de eclipse solar em Baikonur. O fenômeno era sinônimo de desgraça entre civilizações antigas
Some-se a isso o fato de que Vinogradov e Williams compõem a Expedição 13 à ISS e o quadro está completo. Para Pontes, no entanto, esses sinais na verdade são de bom agouro. "[O eclipse] é um momento muito especial que a gente ganhou do Universo", disse, na última entrevista coletiva antes da decolagem da Soyuz.
Williams, falando na seqüência, concordou. "Esse é um exemplo do que fascina as pessoas no espaço. É uma grande ocorrência, que nos lembra que o programa espacial é sobre descobrir coisas novas, explorar o desconhecido."

Tensão familiar
Também estiveram presentes ao lançamento os familiares mais próximos de Pontes: a mulher, Francisca de Fátima, e os dois filhos, Fábio Francisco e Ana Carolina. Eles evitaram falar com a imprensa. Calcule o nervosismo de pensar que pode ser a última vez que você vê um ente querido, dados os riscos envolvidos em qualquer lançamento espacial.
Quando inquirida, Francisca de Fátima apenas se disse muito feliz. "E muito orgulhosa [de Pontes], como todos os brasileiros." Ela chorou enquanto o foguete rasgava o céu azul da manhã de Baikonur. E centenas de pessoas crepitaram em aplausos quando da confirmação do sucesso do lançamento.

Com Folha On-Line

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