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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Kit ajuda a entender forma tridimensional de molécula

"Lego" ensina estrutura de proteína

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um conjunto de peças de plástico colorido, o Protein Folder, promete se tornar uma ferramenta divertida para ensinar candidatos a cientista e pesquisadores experientes a montarem as complicadas estruturas das proteínas.
Esses gigantes do mundo molecular, formados por milhares de átomos, se enovelam em estruturas tridimensionais aparentemente ininteligíveis para um leigo. Conhecer essa estrutura espacial é importante porque a função das proteínas está estreitamente relacionada com sua forma.
O kit consegue colocar ordem nesse caos e permite que seu usuário construa sua própria proteína. No caminho, aprende as regras que governam o processo.
O responsável por criar esse Lego da biologia molecular é o pesquisador Richard Charles Garratt, do Centro de Biologia Molecular e Estrutural do Instituto de Física da USP de São Carlos (http://cbme.if.sc.usp.br). Inglês radicado no Brasil desde 1989, ele trabalha exatamente com a decifração da estrutura das proteínas, usando um processo conhecido como cristalografia. No processo, a molécula é "congelada" num cristal e seu formato é examinado com a ajuda de raios X, espalhados segundo padrões conhecidos (difração), de acordo com a estrutura da macromolécula em estudo.
A idéia para o kit nasceu dos problemas detectados pelo cientista quando ele tentava explicar os conceitos da estrutura protéica para os seus alunos.
"Nas aulas, a gente costumava usar estes modelos atômicos", explica Garratt, mostrando uma cadeia comprida formada por "átomos" (bolinhas de plástico) e suas ligações (bastões também de plástico). "Todo mundo dizia que entendia. Aí eu dizia: "Bom, se entenderam, então façam", mas aí a coisa se complicava. Afinal, esse troço se enovela no espaço tridimensional. Se a gente fosse fazer átomo por átomo, ia levar o ano inteiro para terminar, ia ficar um trambolho e não ia ajudar em nada para entender", afirma.

Improviso
Por algum tempo, Garratt tentou improvisar. Usou, por exemplo, fios de cobre enrolados em volta de uma caneta para simular a torção da cadeia de aminoácidos (os tijolos moleculares de que são feitas as proteínas, cujo número pode chegar a centenas numa mesma cadeia), para representar a chamada hélice-alfa descrita por Linus Pauling em 1951.
Em seu modelo final, Garratt partiu de modelos visuais existentes na ciência (impressos ou no computador) das estruturas básicas que compõem as proteínas.
Dois desses elementos principais são as hélices-alfa e as folhas-beta (fitas bem menos espiraladas de aminoácidos, que lembram mais folhas ou tiras de papel levemente pregueadas). As diferentes fitas que formam as folhas-beta estão unidas por ligações de hidrogênio, enquanto as hélices-alfa não estão. "Essas formas são predominantes porque a cadeia de aminoácidos tende a ficar mais estável com elas", explica Garratt.
Bastou criar pecinhas de plástico cujo formato representasse essas estruturas básicas, além das alças que podem ligar hélices-alfa a folhas-beta. Nesse caso, a estrutura é bastante irregular e pode ser representada simplesmente por um cabo retorcido. O mais importante, porém, é que as peças coloridas não se juntem aleatoriamente, mas seguindo as mesmas regras que regem as ligações químicas das proteínas reais.
Restava o teste final: a sala de aula. "Nos workshops que nós estamos realizando, gastamos de 20 a 25 minutos explicando as regras básicas da formação da estrutura de proteínas e mais cerca de uma hora para que as pessoas montem sua própria proteína com as peças", diz Garratt. "Posso dizer que o sucesso é de quase 100%, e todo mundo sai feliz da vida com a sua proteína montada. E você não fica simplesmente mostrando a estrutura feita. Cada um monta a sua, o que tem um efeito muito maior no aprendizado", afirma.

Versatilidade
Em princípio, daria para fazer um modelo de qualquer proteína. As únicas limitações relativas seriam de tamanho. "Você pode destacar uma área de interesse, como o sítio ativo [a região onde acontece a interação da proteína com outros compostos orgânicos], usando cores diferentes. Dá para variar também a escala."
Embora o propósito dos kits seja educacional, Garratt conta que enviou o sistema a outros especialistas em estrutura protéica. Alguns disseram que ver e manipular a proteína poderia trazer idéias interessantes, já que forma e funcionamento estão estritamente ligados nesse tipo de molécula.
Os modelos já estão patenteados no Brasil. Os próximos passos são conseguir uma patente internacional e negociar a produção dentro e fora do país, a um preço acessível. O projeto é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). (RJL)


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