São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

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ARQUEOLOGIA

Escavações subaquáticas revelam navios afundados em estuário de Portugal e contradizem relato histórico

Brasileiro desfaz mito de viking português

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles não acharam nenhum tesouro de pirata, nem esmeraldas, rubis ou moedas de ouro e prata. Acharam vários pedaços de madeira e cordas apodrecendo, alguns em melhor estado. Mas a equipe internacional de arqueólogos subaquáticos, incluindo brasileiros, que trabalhou na foz do rio Arade, no sul de Portugal, já pôde pelo menos sepultar um mito -o de que ali haveria um navio viking naufragado.
Os brasileiros -Gilson Rambelli, Paulo Bava de Camargo e Flávio Rizzi, pesquisadores do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP- acharam mesmo restos de um ou dois navios antigos, possivelmente portugueses dos século 15 ou 16, da chamada tradição ibero-atlântica.
Eles encontraram uma quilha (a espinha dorsal de uma embarcação) com quase quatro metros de comprimento, e a ponta de uma caverna, peça encaixada transversalmente à quilha que forma o esqueleto do navio.
Mesmo sem confirmar o relato histórico feito por um cronista árabe, no ano de 996, de que navios vikings teriam afundado a caminho de atacar a cidade de Silves, os arqueólogos puderam encontrar um tesouro de outro tipo: a riqueza de artefatos de várias origens ali depositados pelas sucessivas levas de ocupantes do território português.
"O rio Arade foi a principal rota de acesso a Silves desde a implantação dos estabelecimentos fenícios no Algarve", escrevem os três brasileiros em artigo a ser publicado na revista do MAE.
Segundo os arqueólogos, "durante a escavação foram encontrados inúmeros fragmentos, principalmente cerâmicos, que vão desde ânforas romanas até utensílios inteiros do século 16, passando pela cerâmica árabe".
Entre as peças mais bem preservadas está um raro cadernal, uma caixa achatada de madeira com duas fendas, em cada uma das quais há uma roldana móvel. O cadernal poderia fazer parte do sistema de cabos (cordas) que sustentaria um dos mastros.
A escavação deste ano, realizada em julho e agosto, foi organizada pelo Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática do Instituto Português de Arqueologia. Participaram arqueólogos e estudantes de oito países.
A coordenação foi do arqueólogo português Francisco Alves, um dos pioneiros na área em Portugal e responsável pelos trabalhos no galeão Nossa Senhora dos Mártires, cujos achados foram a atração central do pavilhão de Portugal na exposição internacional de Lisboa em 1998, a Expo-98.
Rambelli, que coordenou a participação brasileira, está lançando nesta semana o livro "Arqueologia Até Debaixo D'Água" (Editora Maranta, São Paulo, 2002). O livro é o primeiro no país a descrever esse aspecto da arqueologia, em geral associado negativamente com a "caça a tesouros".
Rambelli mostra como o principal objetivo da arqueologia, tanto em cima como embaixo d'água, é a busca de conhecimento, não de suvenires. O livro também busca conscientizar os mergulhadores sobre o patrimônio subaquático.


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