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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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BIOTECNOLOGIA

Pesquisadores caçam genes em espécies selvagens da planta capazes de proteger plantações contra pragas

Embrapa quer amendoim superresistente

Embrapa/Divulgação
Pesquisador faz transferência de pólen manualmente entre uma variedade de amendoim e outra


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e da Universidade Católica de Brasília estão colhendo os primeiros frutos de um projeto que promete levar o amendoim brasileiro de volta às raízes. Usando espécies da planta nativas do país, eles estão mapeando genes capazes de dar resistência a pragas que hoje dificultam a vida dos produtores.
A equipe já encontrou 80 trechos do DNA do amendoim que devem estar ligados à maior resistência contra fungos e vermes nematóides, além de dominar a técnica para permitir o cruzamento entre as variedades selvagens e domésticas da planta.
Pode ser o começo de um salto e tanto para o cultivo dessa leguminosa (apelidada pelos cientistas de Arachis hypogaea), cujos ancestrais selvagens foram domesticados pela primeira vez por índios brasileiros. Hoje, porém, o Brasil é apenas o 13º produtor mundial -os líderes são China, Índia e Estados Unidos.

Vigor silvestre
O trunfo da Embrapa está na diversidade do gênero Arachis, ao qual pertencem todas as espécies que são "primas" da planta usada na agricultura. É o que explica Soraya Cristina Leal-Bertioli, 33, uma das coordenadoras do projeto. "Nós já temos variedades muito produtivas, mas que têm baixa resistência a fungos, por exemplo. Por outro lado, a planta selvagem, que mal produz, pode ser muito mais forte", afirma.
Dois dos fungos na mira da pesquisa são o Cercospora arachidicola (mancha parda) e Cercosporidium personatum (mancha preta), que causam problemas sérios à variedade comercial usada em 90% das lavouras brasileiras (a cultivar Tatu, uma variedade da espécie Arachis hypogaea).
Ambos, como indicam seus nomes populares, causam manchas nas folhas que diminuem a fotossíntese (a capacidade da planta de transformar luz em energia para o organismo) e a produtividade. Os nematóides, que se alojam nas raízes, são menos danosos -mas nada impede que uma espécie vinda de outra região do mundo infecte as plantas nacionais, que não poderiam resistir ao verme.
Leal-Bertioli conta que outro pesquisador da Embrapa envolvido no projeto, José Valls, já tinha organizado um banco com amostras de todas as espécies de amendoim selvagem existentes, recolhidas em todo o Brasil e em outros países da América do Sul. Ao todo, há 80 espécies de Arachis na América do Sul, embora só 67 sejam bem estudadas.
A equipe, então, se pôs a avaliar a resistência dessas variedades aos causadores de doenças, em busca de genes que pudessem estar ligados a essa qualidade. O processo consiste em observar em conjunto plantas vindas de um cruzamento entre uma planta resistente e outra suscetível. O DNA dessas híbridas é vasculhado em busca das chamadas RGAs (regiões análogas a genes de resistência, na sigla em inglês).
Para isso, são usados marcadores genéticos que tendem a aparecer em formas diferentes nas plantas. Um exemplo são os microssatélites -pequenos grupos das bases, ou "letras" químicas do DNA, que se repetem muitas vezes (algo como GAGAGAGA, um tipo de gagueira genômica com as "letras" guanina e adenina).
"O nosso sequenciamento desses marcadores já mostrou 80 RGAs", afirma Leal-Bertioli, citando o trabalho feito em colaboração com os pesquisadores Patrícia Guimarães e David Bertioli. Essas áreas, muito provavelmente relacionadas a genes de resistência, ajudarão os pesquisadores a saber se um determinado gene de interesse foi passado de uma variedade silvestre para o cultivar comercial num cruzamento.

Casais compatíveis
A equipe também já resolveu outro problema: tornar a dupla silvestre-domesticado compatível. É que o amendoim plantado hoje descende de uma planta que tem quatro cópias de cada um dos seus dez cromossomos (as estruturas que carregam o material genético), enquanto as espécies selvagens têm só duas.
"O resultado desse cruzamento acaba sendo estéril", diz Leal-Bertioli. A equipe, porém, contornou o problema ao modificar o que acontece quando os cromossomos duplicam seu número para formar uma nova célula. A interferência foi feita nos tecidos que iriam gerar as células sexuais.
A pesquisadora Alessandra Fávero conseguiu impedir a divisão dos cromossomos, de forma que as células sexuais passassem a ter duas cópias deles, no fim do processo -o que as torna compatíveis com as da variedade domesticada. "Isso já abre a perspectiva de termos híbridos férteis no ano que vem", afirma Leal-Bertioli.
Além da Embrapa e da Universidade Católica de Brasília, o projeto conta com a participação da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e de centros da Argentina, do Reino Unido e da Dinamarca. O financiamento vem da União Européia e de uma parceria entre Embrapa e Banco Mundial.


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