São Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 2005

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CÉLULAS-TRONCO

Governo libera R$ 11 mi para estudos, mas, de 41 projetos, nenhum aproveitou possibilidades de nova lei

Verba não atinge pesquisas com embrião

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Foram anunciadas ontem as primeiras verbas para a pesquisa com células-tronco no Brasil depois da aprovação da Lei de Biossegurança, que permitiu a utilização de embriões nesse tipo de estudo graças à longa pressão de cientistas e pacientes. Contudo, dos 41 projetos de pesquisa contemplados, apenas três lidam com células-tronco embrionárias e nenhum com linhagens celulares obtidas no Brasil.
O anúncio contraria a expectativa gerada pelo edital para pesquisas na área, que foi lançado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em abril deste ano, um mês após a votação favorável à lei no Congresso. Na época, foram obtidos recursos da ordem de R$ 11 milhões, divididos igualmente entre o Ministério da Saúde e o MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia, ao qual o CNPq está subordinado).
As células-tronco são capazes de uma versatilidade fisiológica impressionante, podendo assumir a função dos mais variados tecidos do organismo, dos neurônios do cérebro aos músculos do coração. Até a aprovação da Lei de Biossegurança, os cientistas brasileiros só tinham permissão para trabalhar diretamente com as células-tronco adultas, que vêm principalmente da medula óssea e do cordão umbilical.
Elas mostraram o que parece ser uma surpreendente maleabilidade e foram testadas com sucesso num pequeno número de pacientes, melhorando quadros de males cardíacos, derrame cerebral, esclerose múltipla e tetraplegia. Mas o consenso entre os pesquisadores é que as embrionárias representam uma promessa terapêutica muito maior, por comprovadamente conseguirem assumir as características de qualquer célula. Daí a pressão para permitir seu uso, embora ainda não se saiba como controlar seu funcionamento.
"Fiquei decepcionada, já que nos sentimos incentivados pela aprovação da lei", disse Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP. "Mas o comitê foi formado por cientistas, meus pares, e eles devem ter tido seus critérios para fazer essa seleção." Ela é uma das principais especialistas brasileiras em células-tronco embrionárias e havia submetido uma proposta para derivar linhagens brasileiras delas. Essencialmente imortais, as linhagens são ferramenta básica para entender como uma célula-tronco assume funções definidas.
Segundo Luiz Fernando Lima Reis, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, que integrou o comitê responsável pela seleção dos trabalhos, o critério foi puramente científico. "Como você pode ver, nós seguimos fielmente o edital, que não era dedicado apenas às células embrionárias, mas à terapia celular em geral", explica ele. "Das 106 propostas que recebemos, a maioria já se referia às células-tronco adultas, o que talvez tenha criado esse aparente viés na escolha." Segundo a assessoria de imprensa do MCT, a idéia é que os "usuários finais" dos estudos sejam os pacientes.
Entre os poucos trabalhos com células-tronco embrionárias está o de Antonio Carlos Campos de Carvalho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "Vamos usar uma linhagem já derivada ["emprestada" pelo americano Douglas Melton, da Universidade Harvard] para entender os mecanismos que as transformam em neurônios ou células do coração. Queremos tornar o processo mais eficiente", diz Carvalho.


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