São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

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Gasolina nacional gera mais ozônio, diz estudo da USP

Produção do poluente em São Paulo cairia 43% se carros utilizassem combustível com padrão californiano de refino

Pesquisa, ainda inédita, usa modelo computacional para revelar sujeira química oculta e abre debate sobre reformulação da gasolina


Eduardo Knapp - 07.jul.08/Folha Imagem
"Smog" em São Paulo; névoa fotoquímica é causada principalmente pelo gás ozônio

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Simulações feitas nos computadores da USP acabam de escancarar a oculta sujeira química que existe na gasolina usada em toda a região metropolitana de São Paulo.
Se a frota de veículos leves queimasse o combustível que abastece os carros da Califórnia (EUA), a quantidade do nocivo gás ozônio lançado no ar paulista cairia 43%. Outros cinco cenários, todos desfavoráveis ao combustível nacional, foram calculados (veja texto à dir.).
"Podemos dizer, sim, que a nossa gasolina é pouco refinada, para não dizer suja", afirma a química Leila Martins, autora do estudo ainda inédito, mas já aceito para publicação no periódico "The Open Atmospheric Science Journal".
O modelo matemático usado pela pesquisadora do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP está calibrado com dados reais obtidos nos túneis paulistanos -ao ar livre, existem muitas outras variáveis que atrapalham as medições dos gases emitidos pelos veículos.
A gasolina da Califórnia acabou escolhida, segundo Martins, porque ela é bastante refinada. Foram feitas duas reformulações químicas no combustível na última década.
Exatamente por isso, diz a pesquisadora, os dados gerados por elas são suficientes para abrir um outro debate. A gasolina brasileira -assim como deve ser feito com o óleo diesel- não precisaria passar por uma reformulação imediata?
De acordo com a ANP (Agência Nacional de Petróleo), existe um plano de reformular as características técnicas da gasolina comercializada no Brasil. Porém, agora, a prioridade é tirar o enxofre do diesel.

Subproduto
O ozônio troposférico, poluente que forma o "smog" (não confundir com o estratosférico, que existe acima de 20 km de altitude e protege a Terra contra os raios ultravioleta), não é eliminado diretamente pelos escapamentos dos carros.
Ele resulta de uma reação entre os chamados compostos orgânicos voláteis (ou COVs, no jargão dos químicos) presentes nos combustíveis e a luz solar. Por isso ele é chamado de poluente secundário.
No caso específico da gasolina, explica o físico especialista atmosfera Paulo Artaxo, também da USP, o que determina a quantidade de ozônio produzido é o teor de dois tipos de molécula: as chamadas olefinas e os compostos aromáticos.
Quem olha os dados do estudo da USP não precisa ser muito bom em química para entender a diferença entre a gasolina refinada e a suja. O combustível da Califórnia, desde 2004, pode ter no máximo 4% de olefinas e 22% de compostos aromáticos por unidade de volume.
A brasileira, segundo a portaria 309 da ANP editada em 2001 e ainda em vigor, também em limites máximos, pode ter até 30% de olefinas e 45% de compostos aromáticos.
A diferença no teor de enxofre, aliás, também é grande. O limite no combustível californiano é de 15 ppm (partes por milhão) e na gasolina brasileira é de 1.000 ppm.
"A reformulação da gasolina é importante. Mas temos de dar prioridade ao diesel", diz Artaxo. No caso do ozônio, explica o pesquisador, outras medidas igualmente importantes podem ser tomadas de imediato. "A inspeção e a regulagem dos veículos são duas delas", diz, já que motores regulados queimam melhor o combustível.
Para que a gasolina brasileira colabore menos com a formação de ozônio -o gás é um dos principais poluentes que se formam em São Paulo- a mudança na formulação química do combustível precisa ser radical.
As olefinas, segundo Martins, deveriam ser reduzidas em 86,6%. Os aromáticos em 22,2% e os benzenos em 30%.
Apesar de a modelagem feita por Martins servir apenas para a zona metropolitana de São Paulo, engana-se quem acha que isso é um problema local. "O ozônio se espalha bastante, nós o exportamos ele para outras regiões", diz a cientista, que agora vai começar a investigar outro problema ainda oculto: o real impacto do ozônio na saúde dos paulistanos.


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