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Provável 'partícula de Deus' foi achada, afirmam físicos

Experimentos em acelerador europeu trazem pistas fortes do bóson de Higgs

A certeza é que se trata de uma partícula nova, nunca detectada antes; descoberta pode iniciar nova era para a física

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Após anos de espera, imprevistos, problemas técnicos e muito suor, os físicos do LHC, maior acelerador de partículas do mundo, anunciaram a descoberta de uma nova partícula.

E eles acreditam que ela seja o bóson de Higgs, mais conhecido como a "partícula de Deus" -responsável por dar massa à matéria e, portanto, pela própria existência de estrelas, planetas e pessoas como os conhecemos.

Caso isso seja confirmado, será o coroamento da teoria científica mais bem-sucedida de todos os tempos -o chamado Modelo Padrão, que explica como se comportam todos os componentes e todas as forças existentes na natureza, salvo a gravidade.

Contudo, cabe atenção para a formulação cuidadosa das afirmações dos pesquisadores. Em seu último relatório, no fim do ano passado, eles já sugeriam ter encontrado algo, mas não descartavam um alarme falso.

Agora, eles já cravam categoricamente a existência da nova partícula. Só não admitem com todas as letras que se trata da almejada "partícula de Deus".

COLISÕES

"Embora os eventos [de colisões de partículas] sugiram que estamos mesmo diante do bóson de Higgs, a confirmação de que se trata realmente da partícula predita requer mais medidas comparativas", diz Sérgio Novaes, físico da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Ele é membro da Colaboração CMS, um dos dois experimentos do LHC que servem de base para o anúncio.

De toda forma, o novo achado dá toda a pinta de que se trata mesmo do almejado bóson. O anúncio foi feito num evento realizado às 4h (de Brasília) de ontem, transmitido ao vivo pela internet da sede do laboratório europeu Cern, em Genebra.

Entre os convidados no auditório, emocionado até as lágrimas, estava ninguém menos que o escocês Peter Hig-gs, físico que propôs (junto com outros cientistas) um mecanismo para que as partículas adquiram sua massa e, com isso, emprestou seu nome ao famoso bóson.

A previsão inicial sobre a existência da partícula é de 1964. Demorou tanto para (provavelmente) achá-la porque as energias nas quais ela se torna detectável são muito altas -daí a importância da potência do LHC.

O acelerador, como o nome diz, emite partículas já conhecidas -os prótons- e as acelera a velocidades próximas da da luz em seu túnel de 27 km. Elas, então, chocam-se, e da pancada surgem partículas efêmeras, mas cuja presença pode ser inferida, como é o caso do Higgs.

Os cientistas descartam, a esta altura, que alguma flutuação estatística seja responsável pelo achado. A probabilidade de não ser uma nova partícula é de menos de 1 em 1,7 milhão. Cometer um erro desses é tão improvável quanto ganhar na loteria.

Dados do acelerador americano Tevatron já indicavam a mesma coisa, embora com um grau de confiança bem menor. Somente agora, com os resultados do LHC, é possível cravar a existência da partícula, com energia de 125 GeV (giga-elétronvolts).

A descoberta do Higgs há anos é apresentada como a principal motivação para a construção do LHC. Agora que a partícula provavelmente foi encontrada, pode ficar para o público uma sensação de vazio. Mas não parece ser o que os físicos sentem.

SÓ O COMEÇO

"Primeiro, há um equívoco em associar o LHC só ao bóson de Higgs", afirma Ronald Shellard, físico de partículas do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e vice-presidente da SBF (Sociedade Brasileira de Física).

"Todos concordamos que o bóson de Higgs não vale US$ 10 bilhões [custo do acelerador]. O LHC foi concebido para explorar o Universo além do Modelo Padrão. A descoberta coroa o maior feito intelectual da humanidade até agora, uma teoria que explica uma infinidade de fenômenos. Mas, para o LHC, ela é apenas o começo."

Há a possibilidade de que a nova partícula não seja o Higgs previsto pela hipótese original, mas o primeiro membro de uma "família" de mais de um Higgs -ou algo ainda mais estranho.

Conforme mais dados forem ajudando a caracterizar a nova partícula, esses cenários devem ficar mais claros. Por enquanto, tais detalhes estão em aberto.

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