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Vencida pela Aids

Primeira criança do Brasil e uma das primeiras do mundo a receber coquetel contra a Aids, Luciane Conceição morre aos 24 anos

Rennato Testa - 6.mar.2008/Folhapress
Luciane Conceição e sua filha Vitória, com menos de dois meses, em foto de 2008
Luciane Conceição e sua filha Vitória, com menos de dois meses, em foto de 2008

MARIANA VERSOLATO
DE SÃO PAULO

Luciane Conceição, que nasceu com HIV e foi a primeira criança do Brasil e uma das primeiras no mundo a tomar coquetel contra a Aids, morreu ontem aos 24 anos, em Sorocaba (SP).

Segundo informações da Secretaria de Estado da Saúde, Luciane foi internada há uma semana no Conjunto Hospitalar de Sorocaba pesando 30 kg e com falência dos rins. Ela morreu de falência múltipla dos órgãos.

A advogada Maria Lucila Magno, que conhecia Luciane desde pequena, afirma que ela começou a ser negligente com o tratamento há cerca de cinco anos. "Ela decidiu que queria morrer e parou de tomar os remédios. Foi internada contra a sua vontade. Não queria mais viver com Aids. Nada a motivava, nem a filha", conta.

Em 2008, Luciane teve uma filha, Vitória, que nasceu sem o vírus da Aids. Na época, a mãe estava com uma carga viral indetectável. O nascimento da menina rendeu reportagens em diversos jornais e revistas do país.

A advogada diz que Luciane estava com depressão e credita parte do problema à história da jovem, que nasceu com HIV (sua mãe contraiu o vírus no oitavo mês de gravidez, numa transfusão de sangue) e foi abandonada após o parto.

Seus pais, Edgard Conceição e Arlinda, souberam da história pela TV e a adotaram quando tinha dois anos.

Maria Lucila conta que Luciane tinha acesso a todos os remédios de que precisava, mas não tomava nenhum deles nem queria mais ir a médicos ou hospitais, apesar de se encontrar em um estado grave de saúde.

INEDITISMO

Quem confirma o ineditismo do tratamento de Luciane é Maria Lucila, assessora jurídica do Gepaso (Grupo de Educação à Prevenção contra Aids) de Sorocaba.

Em 1996, ela entrou com uma ação na Justiça a fim de obter autorização para submeter Luciane, de oito anos, ao tratamento -indicado, até então, apenas para adultos.

Segundo o estudo "O Remédio via Justiça", publicado em 2005 pelo Ministério da Saúde, o medicamento só foi fornecido após nova solicitação judicial para sua compra pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, tendo em vista a indisposição inicial do governo por causa da inexistência de comprovação da eficácia da terapia para crianças.

A médica da menina, a infectologista pediátrica Rosana Maria Paiva dos Anjos, decidiu na época que os antirretrovirais seriam necessários diante da saúde debilitada de Luciane, que apresentava tuberculose, pneumonia e outras doenças oportunistas.

Em matéria da Folha de 24 de outubro de 1996, a infectologia afirmou que o uso dos remédios conseguiu reduzir em 98,6% a presença do vírus da Aids e que, antes de recebê-los, Luciane já estava em fase terminal da Aids. "Se continuasse assim, temíamos que não sobrevivesse até o fim do mês", afirmou.

AVANÇOS

Hoje, 16 anos depois da decisão da Justiça que permitiu que Luciane tomasse os antirretrovirais, a situação para crianças que nascem com HIV é bem diferente.

"Ela abriu a porta para muitas crianças", diz Lucila.

Avanços no cuidado de crianças infectadas pelo HIV levaram a mudanças na progressão da doença e menor mortalidade. As diretrizes também foram reformuladas e indicam, por exemplo, que bebês de mulheres infectadas pelo HIV devem receber uma solução oral de AZT e vacinas contra tuberculose e hepatite B logo após o nascimento.

Quanto à transmissão vertical (de mãe para filho) do vírus HIV, o Fundo Mundial para a Luta contra a Aids, a Malária e a Tuberculose chegou a calcular que até 2015 será possível erradicá-la.

No Brasil, a política de profilaxia da transmissão vertical, que inclui dar antirretrovirais para gestante e bebê, foi implantada em 1996. Com o tratamento, a chance de contaminação, que era de 25%, hoje é de 1% ou menos.

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