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Análise

No século 19, lebre era trocada por gato em restaurante do Rio

PAULA PINTO E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não é de hoje que o consumidor se vê levando gato por lebre. No Rio de Janeiro do século 19, estrangeiros eram alertados sobre os cuidados ao comer nas casas comerciais, alarmados por rumores da troca de lebre por gato nos pratos ensopados.

Machado de Assis dedicou algumas crônicas de sua obra para debater o assunto, discutindo o caso da falsificação das águas minerais francesas, vendidas como originárias de Vichy, mas engarrafadas numa fabriqueta carioca de fundo de quintal.

As falcatruas comerciais relacionadas à alimentação seguem, de perto, as grandes modas alimentares.

Deixamos as lebres e as águas de Vichy e entramos com tudo nos azeites, tomates secos, mozarelas de búfalas, chocolates especiais, flor de sal. Produtos antes escassos, especiais e caros inundaram as gôndolas dos supermercados nacionais, incluindo as prateleiras das vendinhas do litoral paulista.

Preocupados em ter, esquecemos de prestar atenção se os alimentos são o que devem ser e não apenas o que aparentam ser.

Aos poucos, vamos descobrindo nas letrinhas miúdas dos rótulos e cardápios que o tiramisu que tanto amamos não tem um grama de mascarpone; que o chocolate mais tradicional do país tem 80% de açúcar e leite contra 20% de cacau e gordura; que a flor de sal, caríssima e finíssima, não passa de sal grosso triturado e que a mozarela de búfala da salada caprese é feita quase integralmente com leite de vaca.

A entrada afoita no universo de consumo nem sempre nos permite ter consciência do que estamos ganhando e do que estamos perdendo.

Em alguns casos, o aumento da demanda não pode ser acompanhado pelo aumento da produção, levando, inevitavelmente, às falsificações.

Estaremos dispostos a dispensar o bico dosador generoso dos azeites, que nos incitam a agir como Jamie Oliver em suas receitas, e voltar a furar a latinha com um prego bem fininho, ouvindo o comentário: "Vai com calma, isso é azeite de verdade"?

PAULA PINTO E SILVA é cientista social, mestre e doutora em Antropologia Social pela USP, professora de Antropologia da ESPM e autora de "Farinha, Feijão e Carne Seca: Um Tripé Culinário no Brasil Colonial" (editora Senac, 2005)

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