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De cabo a rabo

Na onda do uso pleno dos alimentos, chegou a hora de os talos de legume, as nadadeiras de peixe, as bochechas de boi, o rabo e as patas do porco mostrarem o seu sabor

Eduardo Knapp/Folhapress
O chef Rodrigo Oliveira brinca com o peixe pintado, que usa para pratos e porções no Mocotó
O chef Rodrigo Oliveira brinca com o peixe pintado, que usa para pratos e porções no Mocotó

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nadadeira de peixe. Talo de legume. Rabo de porco. Bochecha de boi. Um time de ingredientes normalmente desprezado começa a virar estrela dos cardápios mais descolados da cidade. É a onda do uso pleno dos alimentos.

O tema foi destaque neste mês da Virada Sustentável, em São Paulo. Chefs de 27 restaurantes aceitaram o desafio de criar um menu com o máximo aproveitamento de cada ingrediente.

O projeto, batizado de "menu sustentável", reuniu restaurantes como Capim Santo, Eñe, La Pasta Gialla, Vinheria Percussi e Marakuthai.

Para Flávia La Villa, professora no curso de gastronomia do Senac Campos do Jordão, os chefs passaram a ter uma relação mais próxima e respeitosa com os ingredientes nos últimos anos, quando começaram a se envolver mais diretamente no cultivo e produção dos alimentos.

DE MULUNGU AO MOCOTÓ

No caso do chef Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, trata-se de uma relação mais visceral. Seu pai, que fundou a casa de comida nordestina na Vila Medeiros, zona norte de São Paulo, veio de Mulungu, no sertão pernambucano, onde fartura era palavra fora do dicionário.

"Aprendi com ele que todo ingrediente deve ser aproveitado ao máximo, seja um quilo de carne ou um punhado de maxixe", diz Rodrigo.

Em Mato Grosso do Sul, o chef visitou uma empresa de criação de peixes nativos. No refeitório, observou os funcionários comendo nadadeiras de pintado. E percebeu o grande potencial gastronômico dessa parte do peixe que, normalmente, os cozinheiros acabam descartando.

"Testei empaná-las com tapioca e fritar. Ficou delicioso. Servimos as 'asinhas' como uma porção, acompanhada de maionese de limão-cravo e pimenta-de-cheiro", diz.

No Mocotó, ele prepara cerca de 40 porções do petisco por dia. Do pintado, Rodrigo usa também a carcaça e a cabeça, que servem de base para o molho do prato peixadinha do São Francisco.

Entre os ingredientes que são levados totalmente às panelas estão também batata e mandioquinha, preparadas com a casca "para preservar o sabor" e as sementes do tomate, usadas para molhos.

ENTRE RABOS E PATAS

No Rothko, do chef Diego Belda, são os cortes menos convencionais de carne as estrelas da cozinha. Entre as preparações, estão rabo de porco e língua de boi. O próximo passo será um prato com as patas do porco. "A ideia é rechear o pé, empanar e fritar para servir fatiado."

Para Belda, que se baseou numa receita do chef americano Thomas Keller, do restaurante The French Laundry, para fazer o rabo de porco, usar todas as partes do animal é um desafio. "Cortes menos nobres exigem pesquisa e o uso de técnicas diferentes, o que coloca à prova o talento do cozinheiro", diz.

Além de incitar o chef a se aventurar em novas formas de preparo e a ousar mais, com partes menos nobres é possível cobrar bons preços.

Essa mesma filosofia permeia a cozinha da chef Mara Salles, do Tordesilhas, que destina ao saco de lixo o mínimo possível do que compra para seu restaurante.

Muitos dos legumes ela prepara com as cascas e raízes, como no caso dos rabanetes que compra de produtores orgânicos. "Gosto da anatomia dos alimentos. E servi-los como eles são, com seus talos, folhas, raízes."

No Tantra, restaurante de comida asiática da Vila Olímpia, o chef Eric Thomas também procura usar o máximo dos legumes, verduras e temperos. Com um detalhe: quase tudo é plantado na horta que mantém no restaurante.

Outro ingrediente de que Thomas usa o máximo possível é a anchova negra. Com carcaça faz caldo (dashi) e com a pele faz temakis. Cascas de frutas, como o maracujá, vão para a mesa como "pratinhos" para servir um ceviche e outras receitas.

(RAFAEL TONON)

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