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Perfil / Pedro Antônio da Rocha Mello

'A minha vida se mistura com a história do cacau'

Com décadas de dedicação às plantações no sul da Bahia, seu Pedro aposta na versão fina do fruto

João Souza/Ag. A Tarde/Folhapress
Terreiro de secagem de cacau no sul da Bahia
Terreiro de secagem de cacau no sul da Bahia

LUIZA FECAROTTA
ENVIADA ESPECIAL A SALVADOR

Seu Pedro tem histórias para "passar a noite". Emenda uma na outra, voz mansa, e mal toca na comida. "A minha vida se mistura com a história do cacau" -o mesmo que outrora gerava 60% da renda da Bahia.

"Nasci no meio dessa família", diz ele. Refere-se ao pai, que vivia da cana -e com o dinheiro do alambique, construído com peças trazidas de canoa, puxada por bois que andavam à margem do rio, fez a roça do cacau-, à mãe, que adoeceu de tuberculose quando ele tinha um, dois anos, não se lembra ao certo.

Tem também os tios -o casal de tios que o criou em uma fazenda em Gandu, cidadezinha ao sul da Bahia que ganhou fama com as plantações de cacau.

O tio que foi salvo de uma picada de jararacuçu -"uma cobra muito perigosa na região"- e se salvou com "água de sal de bacalhau" -"não tinha remédio, não tinha sal, a gente pegava o sal do bacalhau que vinha da Noruega".

Pedro Antônio da Rocha Mello, 66, é esse sujeito que cresceu no meio do cacaueiro, cujos antecessores construíram a roça de cacau.

"Foram os humildes que construíram a roça de cacau. As pessoas pegavam o farnel, iam pra mata, armavam uma casinha pequena, bem simples, de barro e palha de coqueiro, e começavam a vida de plantar cacau. Criavam galinha, porco, iam criando tudo, de tal maneira que dependiam o mínimo possível do comércio. No meu tempo ainda se tomava até carreira de onça." Carreira de onça? "A onça aparecia e, ó [bate as mãos], eu caía fora", e ri.

Seu Pedro hoje mora em Gandu, na cidade. Mas prefere o "luar do sertão". "Tem coisas que só a fazenda dá", diz ele. Gosta de música -e cantarola ali, à mesa de jantar, "Malandrinha", que fez sucesso na voz de Francisco Alves. Depois Chico Buarque: "Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala, você era a favorita onde eu era mestre-sala" e joga a voz lá em cima.

Gosta de poesia -e cita Drummond, Castro Alves, Fernando Pessoa. Até recita Augusto do Anjos. Gosta de arroz e feijão, "do que é nosso mesmo". E de pescar no mar. E de navegar, navegar...

Lamenta, até encher os olhos, a praga que devastou as plantações de cacau. "Depois da vassoura-de-bruxa, se perdem 250 mil postos de trabalho." Foi no final dos anos 80 que o fungo atingiu a região e fez com que a produção decaísse drasticamente -o Brasil, que chegou a produzir 400 mil toneladas, hoje produz 120 mil. "O governo pagava para você eliminar o cacau", lembra.

Seu Pedro teve pouco lucro com o cacau no ano passado. "É inviável economicamente." E o que o senhor vai fazer? "Você me pergunta o que eu vou fazer? Vou fazer cacau fino, né? E tocar o barco. Não sei fazer outra coisa."

Para ele, só existe isso de novo na região -o cacau fino. É o cacau que passa por um bom beneficiamento na fazenda (colheita, fermentação e secagem) e apresenta qualidades desejáveis como acidez, dulçor e adstringência. "Até as ferramentas da fazenda são as mesmas -enxada, facão... Tão aí a cento e tantos anos."

Alguns produtores estão fazendo chocolate, diz. "Mas são poucos e mais nada. É incrível, mais nada."

A jornalista LUIZA FECAROTTA viajou a convite do Salon du Chocolat

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