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Nina Horta

O lado brilhante da cozinha

Podíamos comer caviar às colheradas, haja delícia, é ruim ficar comendo uma coisa boa com economia

Pronto, chega de reclamar, chega de ser ranzinza, vamos falar do lado de lá, o lado brilhante da cozinha. Sanduíche de presunto eu nem sabia que gostava. Um pão francês, pequeno, cortado ao meio com manteiga e presunto. Ah, mas há que ter as quantidades certas e fica melhor com Guaraná do que com Coca.

Aprendi isso quando todo ano era convidada por minha neta pequena para uma peça de teatro dos alunos na União-Cultural-Brasil-Estados-Unidos. No fim, hora de cumprimentar os atores, nada de coquetel, ganhávamos um sanduíche de presunto com Guaraná. Juro, era tão bem-feitinho, nem presunto demais nem de menos, manteiga também na quantidade certa, o pão nem quente nem frio, mas quebradiço, e, quando chegava o convite, em vez de pensar na neta só pensava na hora do pãozinho. Não aprendi a receita. Era uma conjunção de fatores difícil de adivinhar. Pão, rosbife rosado e manteiga também é bom.

A primeira comida da minha vida que entendi que era diferente de todas as outras foi a do Alain Chapel quando veio ao Brasil. O que ele tinha? Uma mesa de cozinha, grande, uns 30 quilos de manteiga da fazenda no centro, e ele cozinhando com uma intensidade e um fervor de louco. Nenhum erro. Absolutamente nada. Nem um tico a mais de sal nem de açúcar, um gênio numa labuta tão simples. Morreu cedo de excesso de perfeccionismo.

Um dos segredos dele era a quantidade de manteiga. Peguem qualquer legume para purê e ponham três vezes mais manteiga do que costumam por. Vai ficar o melhor.

Continuarão iguais os croquetes holandeses? Lembro do cheiro de Amsterdã como se fosse hoje, me dizem que é cheiro de maconha. E num bar qualquer aquele croquete enorme, muito crocante por fora e macio como um patê por dentro.

Estão me achando excessivamente frugal, não é? Pois tínhamos uma cliente da embaixada, não vou contar qual era, que recebia caviar em latas de quilos, e podíamos comer, com a ajuda dela, caviar às colheradas, haja delícia, é ruim ficar comendo uma coisa boa com muita economia, prefiro nem comer.

Marrom-glacê acho que perdeu muito do status antigo. Era a comida preferida de minha mãe, que não gostava de chocolate. Um dia recebeu uma enorme caixa de bombons e como precisava ir ao hospital visitar uma amiga, resolveu levar de presente. A amiga, feliz, abriu o pacote e nem acreditou. "Marrom-glacê, é demais, nunca vi tantos!"

A cara da minha mãe era um estudo de confusão mortificada.

Manga. Madura, manga coquinho daquela pequena de comer uma sacola de feira na hora. Dessas coisas nas quais não se deve mexer.

Foi feita por Deus num momento de pura alegria amarela. Jabuticaba negrinha em cestas. Nada de musses, sorvetes, por favor, não toquem no que está perfeito, não despejem maracujá por cima, nem coco, nem nada. Está pronto.

E torresmo? Feito à perfeição, só o da Suely e da Val. Poderiam enriquecer fazendo aquele torresmo, mas Sueli arranjou um namorado e fugiu para Ribeirão. Só um namorado pode ser melhor que um torresmo.

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