São Paulo, quinta-feira, 01 de setembro de 2011

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NINA HORTA

Jaca mole ou dura?


Muita gente chora as jaqueiras da praia de Camburi, engolidas pelos condomínios privados


Passa-se a semana olhando e descartando assuntos e na hora de entregar a matéria há que sair alguma coisa. Às vezes é a abundância de temas que atrapalha. Com o Irene chegando o que você poria na sua mochila de sobrevivência? Mas o furacão foi morrendo e acabou em chuva tropical. Bom para o mundo, ruim para a matéria.
Minha filha colheu no supermercado um pêssego todo diferente, que seria essa fruta achatadinha? E caçou muitos caldos novos, caldo de galinha, caldo de cordeiro, caldo de boi, qual o gosto, são orgânicos, mesmo, sem aditivos?
Mas o número de cartas sobre a jaca ganhou. Chicô Gouvêa, arquiteto carioca, comprou uma jaca para a amiga, santa inocência, foi ver uma obra e a deixou quatro horas na mala do carro. Ela se ofendeu (a jaca) e ele teve que vender o carro.
Muita gente chora as jaqueiras da praia de Camburi e adjacências e as lagostas frescas que foram engolidas pelos condomínios privados.
E se lembram de Monteiro Lobato, que deixou o Visconde de Sabugosa preso debaixo de uma jaca que lhe caiu na cabeça por uma semana. E Emilia filosofando que os morangos, tão pequenos, crescem no chão e que as frutas enormes, lá no alto, para cair no cocoruto dos filósofos e colocar em ordem as suas premissas.
Casos também. Uma senhora francesa ao chegar à Bahia lá pelos anos 50 vai à feira e, vendo uma jaca ser cortada e vendida aos pedaços, comenta: "Como são selvagens os baianos, matam o animal e distribuem os miúdos!".
Outra leitora desdenha: "Não gosto da melequeira que é comê-la. E limpar as mãos com azeite de dendê, pode?". "Para mim, jaca tem perfume de verão e de fazenda na Bahia -perfume tão bom que lembra São Vicente e Jorge Amado, misturando infância e maturidade com gosto e sabor tão especiais... e existe toda uma sabedoria para colher a jaca, se é de vez, se é da dura ou da mole (jaca mole pede pinga, jaca dura pede água) e depois fazer o doce de jaca em calda, a maravilha das maravilhas e que só pode ser feito com jaca dura."
Anette é fã e "mole ou dura tanto faz. A dura é perfeita para o doce em compota, acompanhando uma fatia de queijo de minas. A mole escorre pela garganta e quase nos sufoca, e as duas se transformam na farofa que tem o sabor da comida do meu pai. É dele também a moqueca de caroços. Cozidos, refogados em azeite com muita cebola, coentro e urucum. No final acrescentava ovo, um para cada filho) tampava a panela e deixava cozinhar. Com a jaca verde picada fazia um ensopado com linguiça de porco. Todas as receitas eram servidas com polenta. Meu pai era filho de imigrantes italianos, seu lema era desperdício zero.
Tudo podia ser transformado em comida e polenta todo dia. Imagine só se ele deixaria uma jaca passar batido...".
"Jaca mole ou dura? As duas exalam um cheiro de amor ou de ódio."
Um inglês, escritor; "essa fruta estranha e bastarda, uma comida de Caliban, um vegetal que pensa que é cadáver... Tenho uma suspeita infantil de que a jaca seja o próprio demônio".
Quem tem leitores tem tudo.

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