São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2011

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comilança da roça

Tradição do milho nas receitas de São João marca a cozinha paulista autêntica; pratos deixaram o cotidiano e viraram comida de festa e socialização

Eduardo Knapp/Folhapress
Docinhos juninos da Brigadeiro Doceria & Café

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Era começo do século 20, 1900 e alguns quebrados.
Monteiro Lobato pegou aquele antigo caderno de receitas de capa vermelha e foi copiando, de próprio punho, um tanto de receitas.
Lá estavam as pamonhas, preparadas com "um prato fundo de fubá", leite fervido, um pires de polvilho, "um prato fundo bem cheio de gordura", 12 ovos, sal e erva-doce. Eram enroladas em folha de bananeira e assadas em "forno quente".
Foi no Vale do Paraíba (SP), que o escritor "garrou" gosto pela cozinha tradicional paulista -na qual o consumo do milho prevaleceu sobre a mandioca.
Ingrediente nativo da América, de fácil adaptação, o milho -cereal mais produzido no Brasil- foi difundido pelos povos guaranis, que partiram do Acre, por volta de 500 a.C., para o Centro-Oeste, Sudeste (e para além das fronteiras do país), num processo de mil anos.
No século 18, com a mineração, bandeirantes e tropeiros foram levaram o milho para o interior sertanejo até a Amazônia.
É o milho, então, que faz base para receitas incrementadas pelo uso do leite, dos ovos e do açúcar, incorporados pelos portugueses.
Na ala salgada, o cuscuz a vapor, a sopa de cambuquira (brotos de abóbora) engrossada com fubá, ou a canjiquinha com suã (corte de porco). E são elas que, até hoje, marcam os festejos juninos.
"É bem provável que essas festas estejam fixadas no milho que, para nós, remete a uma dieta bem antiga", diz o sociólogo Carlos Alberto Dória. "São receitas que não existem mais como prática cotidiana; o milho é um alimento de exceção, de festa."
E, nas festas populares, nas quais os quitutes são preparados com ingredientes locais, a comida desempenha um papel importante, pois "permite a sociabilidade entre as pessoas", diz o historiador Pedro Paula Funari.

MILHO E DERIVADOS
O milho pode ser consumido nos diferentes estágios de maturação. "Primeiro, tem aspecto de bolha, passa para fase leitosa, depois fica pastoso. No final, temos o grão seco, que dá origem ao fubá, à farinha, à quirera", diz Cristina Paes, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Foi no sítio de seu avô, no interior de São Paulo, que o chef Ivan Achcar, da Casa da Fazenda, recolheu a quirera (milho quebrado) que serviria de alimento para as galinhas e a levou para a cozinha, onde preparou um delicioso prato com embutidos.
Adriana Cymes, do bufê Arroz de Festa, que faz "banquetes juninos" sob encomenda, também gosta de trabalhar com o cereal.
"Não é preciso colocar nenhum espessante como gema e maisena porque o milho já tem amido próprio e alcança uma textura cremosa."
Para deixar seu bolo de fubá "molhadinho", ela faz um angu cozido, com ingredientes como fubá, óleo, leite e açúcar, e, só depois de amornar, acrescenta gemas e claras em neve e leva ao forno.
Nos festejos de Carlos Ribeiro, do Na Cozinha, o milho, para qualquer fim, é ralado na mão. Como no caso do curau, em que combina o milho com leite de coco, açúcar e chá de erva-doce, mexidos em fogo brando para se obter um mingau.
Ao lado do fogão da doceria Brigadeiro, em Pinheiros, Bia Forte pregou uma receita de bolo de pipoca do caderno de sua mãe, que resgata em junho, sob encomenda.
"Estoura a pipoca, faz calda com açúcar e mistura." Depois, é preciso "amassar bem" numa forma "bem untada" para que vire um bloco de pipoca doce. O visual causa impacto na mesa junina.


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