São Paulo, quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

FOGO ALTO A visão de quem cozinha?

Dólmã não é fantasia. É uniforme

ANDRÉ MIFANO


Cada ano na cozinha é como um ano de cachorro. Vale por sete. Como tenho 15 de cozinha, já passo dos cem


já começo me desculpando por parecer meio rabugento e mal-humorado, e sempre reclamar de algo. Mas talvez eu seja mesmo meio chato. Acho que minha idade, já meio avançada, me permite certos privilégios como o mau humor. Dúvidas quanto à minha idade? Explico.
Sim, estou na casa dos 30, mas, como sempre digo, cada ano na cozinha é como um ano de cachorro.
Vale por sete. Façam a conta. Tenho 15 anos de cozinha. Ou seja, já passo dos cem. Tudo isso foi só para justificar mais uma reclamação. Já há algum tempo, percebo um fenômeno no mundo dos cozinheiros e restaurantes. Sempre encontro alguém de dólmã. Sim, dólmã. Aquela jaqueta, em geral branca, que os cozinheiros usam para trabalhar.
Como eu disse, para trabalhar! Mesmo que hoje grandes costureiros como André Razuk tenham transformado as jaquetas em peças de alta-costura, essas roupas devem permanecer confinadas ao restaurante e deveriam estar sempre limpas. Afinal, as usamos em um ambiente onde preparamos comida.
Ela também merece respeito, pois tem história. Descende da indumentária militar francesa e foi incorporada à cozinha há séculos. Vejo jovens estudantes de gastronomia circulando pelas ruas, em ônibus e restaurantes da cidade, imponentes e metidos, analisando pratos como grandes críticos, vestindo suas dólmãs e calças quadriculadas, desrespeitando não só a higiene e a história, como os cozinheiros do estabelecimento em que estão comendo.
No meu restaurante, quem veste o hábito que reze a missa. E quando tiver terminado que volte a usar suas roupas civis. Não é a vestimenta que faz o profissional. Ser cozinheiro está dentro de nós, misturado ao DNA, não tem como fugir.
E ninguém precisa saber quem ou o que você faz para te atender bem em um restaurante, não é? Eu entendo perfeitamente o orgulho de ser um soldado das cozinhas, eu mesmo o sinto todo o tempo. Mas tenhamos respeito pela indumentária, pelo cliente e por nós mesmos.
A roupa de um cozinheiro não é fantasia. É uniforme!

ANDRÉ MIFANO é chef e sócio do restaurante Vito (rua Pascoal Vita, 329, Vila Beatriz, São Paulo)



Texto Anterior: A gourmet - Alexandra Borges: O Peru ganhou de nós
Próximo Texto: Cozinha de estar
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.