São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2011

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A GOURMET Tendências gastronômicas mundo afora

A última ceia no El Bulli

ALEXANDRA FORBES


Não há outro restaurante que tenha o mesmo poder de mexer no fundo da alma; haverá sucessores à altura?


ESCREVO ESTAS LINHAS de Roses, na Catalunha, ainda mexida e desnorteada, na manhã seguinte ao meu derradeiro jantar no mítico El Bulli, do chef Ferran Adrià. Que poderia contar de novo? Pululam pela internet descrições e fotos mil das bizarrices que compõem o menu-degustação. E já se escreveu à exaustão sobre o fim próximo do restaurante que revolucionou o mundo (fechará no 31 de julho por três anos para reforma milionária até ser reaberto como laboratório de ideias).
Prefiro evitar um longo discurso crítico sobre os 47 bocados que provei (papel de flores! Caipirinha sólida!). Isso só sublinharia a injustiça que faz dos que lá foram, uns felizardos, e dos que sempre sonharam em ir, mas não conseguiram reserva, azarados que vão morrer na vontade.
É o fim de uma era, e quem não viu não verá. E agora? Haverá sucessor à altura? Mesmo sem ter comido no Noma, que tomou do El Bulli o posto de número um no ranking dos 50 melhores do mundo, atrevo-me a dizer que não existe outro restaurante que tenha o mesmo poder de mexer no fundo da alma, de abalar emocionalmente quem se entrega a seus esquisitos sabores.
Muito da magia do El Bulli está fora do prato. O percurso de táxi por estradinha deserta e periculosamente sinuosa desnuda paisagens de beleza comovente, íngremes montes semiáridos indo de encontro ao mar imenso. Naquele parque nacional de muitas baías o ar cheira a pinho e o grito dos pássaros mistura-se ao bater das ondas no cascalho.
Eis que surge naquele isolamento selvagem a casinha velha de ar familiar, com sua cristaleira repleta de buldogues (bullis) de porcelana... Tem um quê de surreal a caretice do espaço, contrastando estranhamente com o avant-gardismo dos ares, papéis comestíveis e encapsulamentos.
A cada instante da noite encantada eu me via rindo, ou refletindo, ou buscando domar a forte emoção que me invadia o peito. Não chamaria aquilo de jantar, mas sim de uma janela que se abriu revelando o íntimo de um gênio. Epifania que durou curtas horas e me fez sentir, mais do que nunca, viva e plena.


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