São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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JOÃO-DE-BARRO

Para dar TETO governo de SP usa o CHÃO

BRUNA MARTINS FONTES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Algumas comunidades rurais paulistas em breve verão "brotar" da terra mais do que os alimentos que plantam para subsistência.
A Secretaria da Habitação do Estado aprovou um projeto de dez casas-piloto feitas com paredes de taipa de pilão e adobe (tijolos crus) para abrigar famílias de quilombolas de Eldorado (285 km a sudoeste de São Paulo).
Para materializar os traços do arquiteto Paulo Montoro, 56, conselheiro da ABCTerra (Associação Brasileira dos Construtores com Terra), a secretaria aguarda a liberação de R$ 300 mil e estima que as obras comecem em dois meses. Cada casa tem 64,85 m2 e custa R$ 10.565.
"Pensamos na terra porque é fácil de obter, dá bom conforto térmico à edificação e eles estão acostumados a construir com ela", explica Denise Corrêa, 49, diretora técnica do grupo de operações por processos alternativos da Secretaria da Habitação.
Montoro adiciona que as paredes em taipa de pilão são mais resistentes à compressão do que as de pau a pique, típicas da região. "Seguram a cobertura sem pilares de madeira, que encarecem a obra."
De acordo com o plano, as casas serão doadas à comunidade quilombola, população ocupante de áreas de quilombos, que antes abrigavam escravos foragidos.
Se a experiência der certo, pode ser estendida a outras comunidades de quilombolas, mas não há intenção de levá-la a áreas urbanas, segundo Barjas Negri, secretário de Estado da Habitação.
Na cidade, Witoldo Zmitrowicz, professor de planejamento urbano da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, acha que o método só deve ser implantado em regiões em que o acesso aos materiais convencionais seja difícil.
"Na periferia, as pessoas se sentem mais seguras fazendo lajes para dificultar invasões, e a parede teria de suportar esse peso."

Pau-a-pique
As áreas onde vivem os quilombolas parecem bairros rurais, como define Carlos Gomes, 40, assistente especial para comunidades quilombolas do Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo).
A maioria das casas tem paredes de pau a pique (palha trançada e barro) e cobertura de sapê. "Mas há algumas de alvenaria, com telhas de amianto, feitas em projetos das prefeituras", diz Gomes.
A iniciativa é vista com bons olhos por profissionais da área. "É mais adequado usar o material economicamente mais viável da região, e construções bem-feitas em taipa superam a durabilidade das de alvenaria", afirma Kurt Amann, 31, coordenador do curso de engenharia civil do Centro Universitário da FEI.
Para o arquiteto Sylvio Sawaya, 61, professor titular de projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a realização do projeto significa um segundo passo para a construção em terra.
"Em um primeiro momento, a técnica foi usada em casas de alto padrão, como efeito de demonstração para maior aceitação. A importância do trabalho com os quilombolas é que chega também ao padrão popular."
Ele considera fundamental a participação do governo. "Para sair do protótipo e lidar com a "muralha" da produção organizada da construção civil, é preciso ter apoio do Estado."



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