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Pasquale Cipro Neto

Os emigrantes e os imigrantes

Um polonês que veio morar no Brasil é emigrante em relação à Polônia e imigrante em relação ao Brasil

"Cerca de 491,6 mil brasileiros vivem no exterior, segundo os Indicadores Sociais Municipais do Censo Demográfico 2010 divulgados pelo IBGE nesta quarta." Assim começa uma matéria publicada ontem na Folha.com. Em seguida, a matéria cita os seis países que, juntos, "abrigam 70% dos emigrantes brasileiros".
Esse dado do IBGE também foi assunto de telejornais. No JH, da Globo, Sandra Annenberg disse, com a clareza de sempre, que "os emigrantes brasileiros...". Apesar disso, houve quem entendesse "imigrantes". Quando abri a caixa postal da coluna, por volta das 17h, encontrei algumas mensagens de leitores que abordavam a questão, tomando como base a leitura de Sandra ("Não seria 'imigrantes brasileiros'?"; "Existe a palavra 'emigrante'?").
O fato é que estamos tão acostumados a ouvir e a dizer "imigrante" que, quando lemos ou ouvimos "emigrante", sentimos um estranhamento. "Emigrante" é aquele que emigra, ou seja, aquele que sai de sua região, país etc.; "imigrante" é aquele que imigra, isto é, aquele que sai de sua região, país etc. e entra em terra que não é a sua de origem.
Um polonês que veio morar no Brasil é emigrante em relação à Polônia e imigrante em relação ao Brasil. Os nossos patrícios que vivem no exterior são, pois, emigrantes, quando os vemos como quem saiu daqui.
"Emigrante" e "imigrante" são parônimos, palavras que têm grafia e pronúncia semelhantes, mas significado diferente. É sempre bom relembrar algumas dessas duplas, que volta e meia causam estragos. Uma delas é "flagrante/fragrante": "flagrante" significa "evidente", "manifesto", "incontestável" ("É evidente a superioridade desse time"); "fragrante" tem relação com "fragrância" e significa "perfumado", "cheiroso" ("flores fragrantes").
"Flagrante" lembra a expressão "flagrante delito", muito usada na linguagem policial e jurídica. Por sua vez, "delito" lembra outra expressão, também largamente empregada (às vezes mal empregada). Trata-se de "corpo de delito", que muita gente da imprensa emprega sem o "de" ("...onde foi submetido a exame de corpo delito"). Nada de "corpo delito", caro leitor. A expressão é "corpo de delito", que significa "fato ou evidência material que atesta a existência de um delito" (ou seja, de um crime).
Outra dupla é "eminente/iminente": "eminente" significa "elevado", "excelente", "ilustre" ("O eminente jurista foi merecidamente condecorado"); "iminente" significa "que está prestes a acontecer" ("Parece iminente a queda de mais um ministro").
Quer outro caso? Vamos lá: "despercebido/desapercebido". Xi! Aqui a porca torce o rabo. Muita gente quer porque quer que "desapercebido" signifique apenas "desprovido", "necessitado" ("O Palmeiras está desapercebido de craques"), mas os diversos registros da língua se encarregam de comprovar que, além desse sentido, "desapercebido" tem o de "despercebido", ou seja, "não notado", "não sentido", "não visto". Veja-se o "Houaiss": "Os parônimos desapercebido e despercebido foram objeto de censura purista, acoimados de falsa sinonímia, mas o emprego desses vocábulos como sinônimos por autores de grande expressão tornou a rejeição inaceitável".
Moral da história: "O árbitro passou despercebido" é frase tão legítima como "O árbitro passou desapercebido". Bem, se você for fazer algum concurso público, tome cuidado: as bancas insistem em considerar errada a segunda frase. É isso.

inculta@uol.com.br

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