São Paulo, sábado, 01 de janeiro de 2011 |
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WALTER CENEVIVA Uma democracia paradoxal
O PRÓLOGO do Código Eleitoral brasileiro (lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), documento fundamental da atividade política, começa com as seguintes palavras: "O presidente da República, faço saber que sanciono a seguinte lei, aprovada pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 4º, caput, do Ato Institucional, de 9 de abril de 1964". Foi firmado pelo marechal Castello Branco, sendo Milton Campos o ministro da Justiça. Quem acreditará que a lei poderia ser interpretada livremente em plena ditadura? Para quem não se recorde, os atos institucionais, promulgados pelos governos militares pós-1964, foram sobrepostos à Constituição de 1946, até ser reformada em 1967 e 69. O Código Eleitoral, básico na prática democrática, nasceu, portanto, de um ato institucional. Não há paradoxo mais gritante no Estado democrático de direito nem momento mais apropriado para a revisão eleitoral quando se instala novo governo. O argumento de que o Código de 1965 já sofreu muitas modificações é fraco. Dezenas delas foram introduzidas pelo próprio marechal Castello Branco, com a lei nº 4.961, de 1966, sendo Mem de Sá o ministro da Justiça. A alteração do art. 302 do Código em 1969 merece destaque por causa de seus autores: o almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald, o general Aurélio de Lyra Tavares e o brigadeiro-do-ar Márcio de Souza e Mello, componentes da Junta Militar que governava o país. Depois de 1985, outras alterações foram votadas democraticamente, mas se o argumento do ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, merecer repetição quando disse que a Lei de Imprensa não podia ser tida por vigente, cabe discutir e votar novo Código Eleitoral. Para tanto, há que pensar em uma das ficções do direito brasileiro ao credenciarem partidos políticos para representar o povo na criação da nossa estrutura jurídica. A palavra partido define a agremiação política capaz de indicar candidatos aptos a satisfazer os requisitos constitucionais para a disputa eleitoral. Os percentuais de eleitos pelo cômputo proporcional de legenda desnaturam tal fim. Impedem o eleitor de conferir os ideais de seu candidato. A ficha limpa é necessária e já demonstra sua qualidade. Os políticos leem a palavra partido como se fosse adjetivo (qualificam um conjunto de peças em permanente mudança de lugar) em vez de o terem como substantivo (nome apto a definir o que a pessoa verdadeiramente é). Devemos melhorar a regra da fidelidade. A estrutura partidária que represente a vontade média de seus componentes não deve ser desequilibrada por "puxadores de voto" sem experiência ou prática no trato do interesse da maioria do povo. Na lei, o partido deveria ser união de pessoas querendo mudar para melhor as condições de vida dos cidadãos, dando rumos mais precisos e sólidos para a nação. Na realidade de hoje, partido é o que se partiu e se repartiu em segmentos variáveis, conforme os caracterizou o presidente Lula, acima do seu e de outros partidos, ao lançar a candidatura da presidente eleita para as eleições de 2014. Em nossa democracia paradoxal, este é o momento de aperfeiçoarmos as regras do processo eleitoral. Aproveitemos a ocasião, mas estejamos atentos, pois o tempo não para. Texto Anterior: Consulado alega não poder intervir no caso Próximo Texto: Livros jurídicos Índice | Comunicar Erros |
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