São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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Vias paralelas são saída para o trânsito, diz economista

Marcos Cintra propõe redistribuir o tráfego das grandes avenidas de SP

Com uma frota que acaba de atingir a marca de 6 milhões de veículos, a cidade precisa desafogar o trânsito para locais com maior fluidez

RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a frota de veículos atingindo a marca de seis milhões e uma rotina de recordes de congestionamento, a saída para a cidade de São Paulo é desviar o tráfego das grandes avenidas, como as marginais Tietê e Pinheiros, para as vias paralelas.
A polêmica alternativa é do economista Marcos Cintra, 62.
"É preciso redistribuir o tráfego", diz o economista, que já foi deputado federal [1999-2003] e vereador [1993-96]. Colunista da Folha, atualmente Cintra é vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas.
"O desgaste do trânsito encarece o transporte e tira competitividade dos produtos da cidade. É o que eu chamo de custo São Paulo." Leia os principais trechos da entrevista:

 

FOLHA - Seis milhões de veículos em São Paulo. O que isso diz?
MARCOS CINTRA -
O número evidentemente é gigantesco. Mas o que mais chama a atenção é o modelo viário adotado. É um modelo oriundo da cidade de Prestes Maia [prefeito entre 1938 e 1945], o sistema arterial. Nesse modelo, a cidade necessita de grandes vias arteriais onde, através de uma sistemática de mão e contramão, os veículos são jogados em grandes vias arteriais, na expectativa de que nelas o trânsito flua mais rapidamente. As marginais são o exemplo mais típico disso. O que era para ser um modelo de tráfego mais rápido acabou se tornando o foco dos grandes congestionamentos.

FOLHA - O sr. fala em "revascularizar" esse sistema arterial. O que isso significa?
CINTRA -
Significa fazer com que haja um melhor uso do leito carroçável disponível e do ocioso, descongestionando as grandes vias arteriais e fazendo o tráfego circular por essas vias periféricas. É solução de longo prazo? Evidente que não. Solução de longo prazo é a única que todo mundo sabe: transporte coletivo. Mas é uma solução que pelo menos nos faz ganhar tempo para ter dinheiro para fazer transporte sobre trilho. Ao invés de gastar em obras faraônicas, que resolvem o problema apenas localmente, seria melhor fazer pequenas obras espalhadas pela cidade, removendo obstáculos para criar uma malha reticular. O exemplo típico é Manhattan, onde as ruas são quadradas e o tráfego é homogêneo em todas elas. Tem tráfego, mas não é tão grave quanto São Paulo.

FOLHA - Quanto custaria isso?
CINTRA -
Não tenho essa estimativa. Mas tenho um raciocínio inverso. Veja o custo dos túneis Sebastião Camargo e Jânio Quadros, que passam sob o rio Pinheiros. Os dois custaram a bagatela de R$ 350 milhões. Com R$ 300 milhões, eu construo dez pequenas pontes cruzando o rio Tietê ou o Pinheiros. Hoje, são 35 pontes cruzando os dois rios. Poderíamos simplesmente construir 60, 70, 80 pontes dessas, aliviando o tráfego nas vias de acesso e nas marginais.

FOLHA - Mas isso não prejudicaria a vida de quem mora nos bairros?
CINTRA -
Não creio. Claro que, se as pessoas jogavam futebol na rua, não vão poder mais fazer isso, porque vai haver circulação de veículos -o que é típico de cidade. Claro que, se o número de veículos continuar crescendo como está e não se fizer nada pelo transporte público, até essas vias irão um dia se congestionar.

FOLHA - A adaptação dessas vias para receber um fluxo maior de trânsito -sobretudo de veículos pesados- não sairia igualmente caro?
CINTRA -
Veículos pesados devem continuar no sistema arterial. O que se tem que levar para as vias revascularizadas são os veículos leves. O custo para isso não é o de construir novas vias, mas de desobstruí-las, que é muito menor.

FOLHA - No atual cenário de crescimento econômico, é de se esperar que a frota aumente ainda mais?
CINTRA -
O país agora entrou em uma fase de crescimento que vai agravar o problema aqui em São Paulo. É uma tendência que não é passageira, coisa de 10 a 15 anos.

FOLHA - O crescimento econômico pode ser o tiro de misericórdia do trânsito em São Paulo?
CINTRA -
Se a gente seguir essa tendência, em mais cinco anos a cidade entra em colapso. Qualquer dia desses vamos ter um colapso do trânsito: as pessoas vão parar, largar o carro na rua e ir a pé para casa.

FOLHA - Que prejuízo, do ponto de vista econômico, o trânsito causa?
CINTRA -
Tudo. Transporte de pessoas é cada vez mais caro, transporte de mercadorias dentro da cidade é muito alto [o custo], por causa de tempo, desgaste. Isso tudo repercute no custo das mercadorias, tira a competitividade dos produtos de São Paulo. É o que eu chamo de "custo São Paulo".

FOLHA - Não há o risco de que a proposta estimule ainda mais o uso do carro?
CINTRA -
Se houvesse a opção do transporte público, é evidente que jamais se pensaria em nada disso [revascularização].

FOLHA - Com pouco mais de dez anos de implantado o rodízio, São Paulo se tornou dependente do rodízio para sempre?
CINTRA -
Sem dúvida. Não só estamos mais dependentes como provavelmente essa dependência vai aumentar, se continuar o mesmo modelo e a taxa de uso de veículos aumentando do jeito que está. É uma medida paliativa, mas que nós já estamos criando resistência, como um antibiótico que você toma, cria resistência e não adianta mais. E já se fala em dois dias de rodízio, em aumentar o número de carros parados por dia de rodízio. E vai ter que se fazer isso, porque uma hora o trânsito vai parar. Um sistema de pedágio, para agravar as pessoas que usam o automóvel e com isso desestimular o uso de veículo particular, é inevitável. Pedágio urbano é questão de tempo.

FOLHA - Seria uma medida bastante polêmica...
CINTRA -
Do ponto de vista político-eleitoral é uma coisa explosiva. Falar sobre isso antes de eleições é palavra maldita para candidato. Também não é benquista pela sociedade. Mas, do ponto de vista estritamente técnico, é uma medida correta. Do ponto de vista social, existe justificativa para isso: cobra-se dos que usam e se reduz os custos dos que não precisam usar o carro com tanta freqüência. Se eu fosse prefeito, estaria estudando, medindo impactos, sentindo a temperatura desse debate, porque essa é uma coisa que mais cedo ou mais tarde vai ser trazida à discussão.


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