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Vias paralelas são saída para o trânsito, diz economista
Marcos Cintra propõe redistribuir o tráfego das grandes avenidas de SP
Com uma frota que acaba de atingir a marca de 6 milhões
de veículos, a cidade precisa desafogar o trânsito para
locais com maior fluidez
RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Com a frota de veículos atingindo a marca de seis milhões e
uma rotina de recordes de congestionamento, a saída para a
cidade de São Paulo é desviar o
tráfego das grandes avenidas,
como as marginais Tietê e Pinheiros, para as vias paralelas.
A polêmica alternativa é do
economista Marcos Cintra, 62.
"É preciso redistribuir o tráfego", diz o economista, que já
foi deputado federal [1999-2003] e vereador [1993-96].
Colunista da Folha, atualmente Cintra é vice-presidente da
Fundação Getúlio Vargas.
"O desgaste do trânsito encarece o transporte e tira competitividade dos produtos da cidade. É o que eu chamo de custo São Paulo." Leia os principais trechos da entrevista:
FOLHA - Seis milhões de veículos
em São Paulo. O que isso diz?
MARCOS CINTRA - O número evidentemente é gigantesco. Mas
o que mais chama a atenção é o
modelo viário adotado. É um
modelo oriundo da cidade de
Prestes Maia [prefeito entre
1938 e 1945], o sistema arterial.
Nesse modelo, a cidade necessita de grandes vias arteriais
onde, através de uma sistemática de mão e contramão, os veículos são jogados em grandes
vias arteriais, na expectativa de
que nelas o trânsito flua mais
rapidamente. As marginais são
o exemplo mais típico disso. O
que era para ser um modelo de
tráfego mais rápido acabou se
tornando o foco dos grandes
congestionamentos.
FOLHA - O sr. fala em "revascularizar" esse sistema arterial. O que isso
significa?
CINTRA - Significa fazer com
que haja um melhor uso do leito carroçável disponível e do
ocioso, descongestionando as
grandes vias arteriais e fazendo
o tráfego circular por essas vias
periféricas. É solução de longo
prazo? Evidente que não. Solução de longo prazo é a única que
todo mundo sabe: transporte
coletivo. Mas é uma solução
que pelo menos nos faz ganhar
tempo para ter dinheiro para
fazer transporte sobre trilho.
Ao invés de gastar em obras
faraônicas, que resolvem o problema apenas localmente, seria
melhor fazer pequenas obras
espalhadas pela cidade, removendo obstáculos para criar
uma malha reticular. O exemplo típico é Manhattan, onde as
ruas são quadradas e o tráfego é
homogêneo em todas elas. Tem
tráfego, mas não é tão grave
quanto São Paulo.
FOLHA - Quanto custaria isso?
CINTRA - Não tenho essa estimativa. Mas tenho um raciocínio inverso. Veja o custo dos túneis Sebastião Camargo e Jânio
Quadros, que passam sob o rio
Pinheiros. Os dois custaram a
bagatela de R$ 350 milhões.
Com R$ 300 milhões, eu
construo dez pequenas pontes
cruzando o rio Tietê ou o Pinheiros. Hoje, são 35 pontes
cruzando os dois rios. Poderíamos simplesmente construir
60, 70, 80 pontes dessas, aliviando o tráfego nas vias de
acesso e nas marginais.
FOLHA - Mas isso não prejudicaria
a vida de quem mora nos bairros?
CINTRA - Não creio. Claro que,
se as pessoas jogavam futebol
na rua, não vão poder mais fazer isso, porque vai haver circulação de veículos -o que é típico de cidade. Claro que, se o número de veículos continuar
crescendo como está e não se fizer nada pelo transporte público, até essas vias irão um dia se
congestionar.
FOLHA - A adaptação dessas vias
para receber um fluxo maior de
trânsito -sobretudo de veículos pesados- não sairia igualmente caro?
CINTRA - Veículos pesados devem continuar no sistema arterial. O que se tem que levar para
as vias revascularizadas são os
veículos leves. O custo para isso
não é o de construir novas vias,
mas de desobstruí-las, que é
muito menor.
FOLHA - No atual cenário de crescimento econômico, é de se esperar
que a frota aumente ainda mais?
CINTRA - O país agora entrou
em uma fase de crescimento
que vai agravar o problema
aqui em São Paulo. É uma tendência que não é passageira,
coisa de 10 a 15 anos.
FOLHA - O crescimento econômico
pode ser o tiro de misericórdia do
trânsito em São Paulo?
CINTRA - Se a gente seguir essa
tendência, em mais cinco anos
a cidade entra em colapso.
Qualquer dia desses vamos ter
um colapso do trânsito: as pessoas vão parar, largar o carro na
rua e ir a pé para casa.
FOLHA - Que prejuízo, do ponto de
vista econômico, o trânsito causa?
CINTRA - Tudo. Transporte de
pessoas é cada vez mais caro,
transporte de mercadorias
dentro da cidade é muito alto [o
custo], por causa de tempo,
desgaste. Isso tudo repercute
no custo das mercadorias, tira a
competitividade dos produtos
de São Paulo. É o que eu chamo
de "custo São Paulo".
FOLHA - Não há o risco de que a
proposta estimule ainda mais o uso
do carro?
CINTRA - Se houvesse a opção
do transporte público, é evidente que jamais se pensaria
em nada disso [revascularização].
FOLHA - Com pouco mais de dez
anos de implantado o rodízio, São
Paulo se tornou dependente do rodízio para sempre?
CINTRA - Sem dúvida. Não só
estamos mais dependentes como provavelmente essa dependência vai aumentar, se continuar o mesmo modelo e a taxa
de uso de veículos aumentando
do jeito que está. É uma medida
paliativa, mas que nós já estamos criando resistência, como
um antibiótico que você toma,
cria resistência e não adianta
mais. E já se fala em dois dias de
rodízio, em aumentar o número de carros parados por dia de
rodízio. E vai ter que se fazer isso, porque uma hora o trânsito
vai parar. Um sistema de pedágio, para agravar as pessoas que
usam o automóvel e com isso
desestimular o uso de veículo
particular, é inevitável. Pedágio
urbano é questão de tempo.
FOLHA - Seria uma medida bastante polêmica...
CINTRA - Do ponto de vista político-eleitoral é uma coisa explosiva. Falar sobre isso antes
de eleições é palavra maldita
para candidato. Também não é
benquista pela sociedade. Mas,
do ponto de vista estritamente
técnico, é uma medida correta.
Do ponto de vista social, existe
justificativa para isso: cobra-se
dos que usam e se reduz os custos dos que não precisam usar o
carro com tanta freqüência. Se
eu fosse prefeito, estaria estudando, medindo impactos, sentindo a temperatura desse debate, porque essa é uma coisa
que mais cedo ou mais tarde vai
ser trazida à discussão.
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